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Discurso de formatura

Agora pela manhã, revirando alguns papéis, encontrei o meu discurso de formatura. Parei com o que estava fazendo, sentei-me e li. Deu um frio na espinha pois, à medida que passava os meus olhos por aquelas palavras, revia os meus colegas, em pensamento. Parece estranho, mas as rotinas da vida acabram me afastando deles, de cuja maioria sinto falta, e admito que preciso me organizar melhor para poder revê-los com mais frequência.

Ano passado, fui escolhido para ser o orador da minha turma (Direito UFRGS, noturno) para a nossa formatura. A colação aconteceu em 22 de janeiro de 2011. Posto, aqui, o discurso que escrevi e li, bem como a filmagem feita pelo Alemão, amigo meu.






"Magnífico Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Carlos Alexandre Netto;

Ou (vice-reitor), Rui Vicente Opperman

excelentíssimo Senhor Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Sérgio Porto;

querido paraninfo da turma, Professor Doutor Danilo Knijnik;
professores e funcionário homenageados e demais componentes da Mesa;

amigos e familiares presentes;

estimados colegas e amigos, boa tarde.


Primeiramente, gostaria de agradecer à turma pela honra que me foi concedida de, em nome dela, discursar nesse momento solene. Também gostaria de dizer, em nome da turma, que dificilmente chegaríamos até aqui sem o apoio, o amor e o carinho dos nossos pais, filhos, demais familiares, amigos e amigas, namoradas, namorados e cônjuges, bem como de todos que estiveram ao nosso lado nos momentos de alegria e tristeza, euforia e desespero, diversão e trabalho duro, conquistas e tropeços. Nosso mais sincero obrigado a todos vocês, tanto aos que se fazem hoje presentes, quanto aos que não puderam comparecer, ou já partiram.

Como num piscar de olhos, passaram-se cinco anos (para alguns, mais) entre os gritos de aprovação no vestibular da UFRGS e aqueles que celebram nossa formatura. Um tempo que pode ser considerado curto, se levarmos em consideração tudo o que já vivemos ou temos para viver, mas pode significar muito. E quando falamos em tempo, não podemos pensar nos movimentos do relógio, mas naquilo que move os seus ponteiros: a funcionalidade da máquina das nossas vidas.

A pouca experiência e o baixo grau de exigência de responsabilidades de uma criança dá-lhe a sensação de que o tempo não passa tão depressa. No entanto, à medida que envelhecemos, parece-nos que o sol nasce e se põe quase que instantaneamente. Nada mais natural. A construção da nossa história é constante, e são essas experiências que nos conduzem aos planos, os quais nos levam ao futuro. Os afazeres do presente, as experiências do passado e o planejamento para o futuro tornam o tempo invariavelmente curto. A questão é o que fazemos com ele.

Diante disso, a pergunta: o que fizemos com o nosso tempo de faculdade? Poderíamos dizer que, acima de tudo, estudamos bastante, suamos, batalhamos, mas também fizemos festas, nos divertimos, jogamos sinuca e nos reuníamos diariamente no Anexo (que virou “Xiru”) para breves, mas divertidas confraternizações.

No entanto, sabemos que quando falamos acerca do que fizemos em determinado tempo, é preciso refletir sobre como éramos antes de ingressarmos na universidade e como somos agora.

Logo na matrícula, percebemos que o espírito da faculdade de Direito da UFRGS é fraternal, e nos recebe de braços abertos, ansioso pelo mais novo membro de sua família. Não poderia ser diferente: não há nada melhor para uma instituição do que ter o seu corpo composto por pessoas que lutaram para dela fazerem parte. Uma instituição, seja qual for a sua natureza, só se engrandece quando as pessoas que a compõem lutam por isso. E essa luta se dá quando os membros da instituição fazem aquilo que lhes é incumbido quando do seu ingresso, sempre com afinco e competência.

Certa vez, um professor da Casa disse-nos que uma instituição não é um prédio, uma construção, mas algo criado e organizado por pessoas. A instituição vai bem quando aqueles que dela fazem parte vão bem. E a nossa faculdade, vai bem? Os índices mais recentes do INEP dizem que sim: nossa Casa obteve a maior média dentre todas as faculdades de Direito do Brasil no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (o ENADE). Contudo, a resposta não está na instituição, mas em nós, que dela fizemos parte e agora responderemos a esse questionamento no dia-a-dia junto à sociedade.

Como responderemos? No exercício de nossas vidas jurídicas, sejamos, acima de tudo, éticos. No entanto, há mais. Nossos mestres, além da ética, nos deram outros exemplos. Poderíamos recordar, nesse momento, de inúmeros professores, mas gostaria de destacar, em especial, os ensinamentos dos ora homenageados. Assim, sejamos construtivamente críticos como é o professor Adão Cassiano frente a tantas decisões judiciais revoltantes que afrontam a lei, a doutrina e a própria jurisprudência; ajamos com responsabilidade e coragem como a professora Giovanna Comiran, que não se abateu com os ventos que tentavam freá-la quando lecionava para nós; tenhamos confiança no nosso saber, mas sempre buscando aprimorá-lo por meio da pesquisa acadêmica, como é e faz o professor Juarez Freitas; preocupemos-nos com os alicerces da ciência do Direito de forma fundamentada, o que é determinante para o bom desenvolvimento da sociedade e na aplicação das suas regras, como faz o professor Barzoto; sejamos bravos e valentes na luta pelo respeito aos direitos de todos e na pacificação social, como age a professora Carmen Camino. Por fim, tenhamos serenidade na nossa profissão, pois é ela que nos permite enxergar o Direito tal qual ele é, do modo como faz com maestria nosso ilustre paraninfo, professor Danilo.

Os atributos que os referidos professores possuem são exemplos para que tenhamos sucesso e honremos a profissão jurídica que escolhermos. No entanto, há mais, o que também é comum a todos os mestres referidos. É o que nos conduzirá à paz de espírito no decorrer do tempo e não nos deixará abater frente às dificuldades. Trata-se do amor. O amor ao próximo, à família, aos amigos, ao parceiro ou parceira, ao nosso planeta, ao nosso país, à nossa universidade, à nossa faculdade, ao nosso Estado e, claro, ao Direito.

Foi por amor à faculdade e ao Direito que nossa turma tanto se empenhou por um ensino de qualidade; foi por um amor fraterno que nossos colegas tanto ajudaram uns aos outros durante a graduação, por meio do envio de cadernos, esclarecimentos de dúvidas e construtivas discussões, e que também possibilitou muitas reconciliações nesse fim de curso; foi por amor à sociedade e aos mais necessitados que muitos dentre nós fizeram parte do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da nossa faculdade e empenharam-se em pesquisas acadêmicas visando ao desenvolvimento das ferramentas do direito que possam tornar a vida de todos melhor. Por fim, foi um amor fraternal em comum que mais uniu a nossa turma num momento de dor.

Certa vez, o recém homenageado colega, que nos deixou prematuramente, classificou nossa turma, ironicamente, como uma “massa condominial” dada a natural diversidade de ideias e opiniões que brotavam de nossa classe. De fato, sempre foi complicado haver um consenso entre nós, o que é perfeitamente normal, afinal, éramos estudantes de Direito, e todo estudante de Direito é, naturalmente, questionador e, paradoxalmente, conservador. Como é do nosso perfil, sempre procuramos expor nossos pontos de vista com muitos argumentos.

Todavia, precisamos lembrar de um detalhe: os condôminos da mencionada “massa” têm algo em comum: o bem estar dos condôminos. Do mesmo modo, estamos nos formando juntos e precisamos pensar, hoje, no que temos em comum como turma. Diante disso, ouso afirmar que é o amor fraternal que sentimos um pelo outro, pela Faculdade de Direito da UFRGS – o que é comprovado pelo desenrolar de nossa história lá dentro – e pela sociedade, que tanto anseia pelos mais esperados bacharéis de Direito do Rio Grande do Sul no ano de 2011 e que é nossa credora, afinal, como egressos de uma renomada universidade pública, sustentada pelos tributos do povo brasileiro, temos o dever de retribuir à nossa população todo esse investimento, lutando não apenas pelo nosso bem, pelo nosso sucesso, mas acima de tudo, pelo bem comum.

Importa atentar especificamente quanto ao mencionado amor que temos um pelo outro. Esse amor fraternal não é sentimental ou afetivo, mas basicamente calcado na compreensão e na respeitosa exortação, que são os fundamentos da convivência. Como mencionou o professor Danilo Knijnik na emocionante “Aula da Saudade”, precisamos, no exercício de nossas carreiras jurídicas, olhar para o próximo sabendo que há muito mais do que vemos por trás de suas atitudes e que cabe nos colocarmos no seu lugar quando do seu julgamento, sempre sob o prisma da Constituição, da Lei, da ética e dos princípios do Direito. Talvez falte um pouco disso para a nossa litigiosa sociedade, o que reflete, naturalmente, no Poder Judiciário. A arte do diálogo, baseada na compreensão e na exortação, frutos do amor fraternal, é o que falta para os juristas de hoje em dia, que ingressam em suas carreiras com um espírito por demais contencioso, em vez de preventivo e conciliatório. E nessa arte do diálogo nossa turma é campeã.

Portanto, por mais qualificado que seja um jurista, ele se torna vazio se desprovido de amor, principalmente desse amor fraternal. Assim como canta Renato Russo na música “Monte Castelo”, ao mencionar um trecho de uma famosíssima carta, “ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria”.

Gostaria de dizer, ainda, que o maior expoente da nossa classe, que demonstrava amor ao direito mais do que todos nós, e que também representava muito bem o espírito de amor fraternal que caracterizou a nossa turma nesses anos todos, calcado no diálogo, na ética, na compreensão e no respeito, era aquele que deveria estar aqui hoje, nesse púlpito, mas que infelizmente nos deixou prematuramente. Sim, estou falando de José Augusto Bifano da Rosa Filho, o Guto, que, digam o que disserem, está lá em Cima, assistindo a esse momento. Guto, apesar de suas naturais imperfeições que qualquer ser humano pudesse vir a apresentar, foi um exemplo para nós de tudo o que foi falado hoje nesse discurso de formatura.

Chegamos ao fim! A formatura, apesar de toda a euforia dos últimos dias, poderá ser seguida de uma nostálgica tristeza e insegurança pelo fim da etapa da graduação, quando somos lançados ao “mundo real” como “metal contra as nuvens”. A nossa turma, no entanto, não deve se preocupar. Isso porque nosso tempo de faculdade serviu para que adquiríssemos conhecimento, ganhássemos qualificação, e desenvolvêssemos um amor fraternal pelos colegas, pelo Direito e pela sociedade. Mantenhamos e desenvolvamos essa bagagem com humildade até o fim, que nenhum “raio, relâmpago ou trovão” nos abalará. Quanto ao término dessa etapa, vale mencionar o já lembrado Renato Russo: 'O mundo começa agora. Apenas começamos'.

Obrigado, boa tarde"!

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