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VENTOSO E EU




                        Ontem foi um dia triste. Ventoso, meu cão (e da minha família) faleceu, e hoje despertei com uma saudade doída. Por isso, resolvi escrever uma singela homenagem, que espero que seja mais do que um obituário.

Pastor Alemão sempre foi a raça de cães que mais interesse gerou no meu pai. Meus pais, assim que vieram morar em Porto Alegre, em meados dos anos 80, tiveram uma (a Miusha), mas porque minha mãe estava grávida, quase me colocando no mundo, resolveram tirá-la da casa em que viviam (passou a cuidar do estabelecimento comercial de meu pai).

Pouco depois, se não me engano, fugiu, e eles nunca mais a viram. Na verdade, acreditam que cachorra tenha sido adotada pelo Tio Chico, nosso professor de natação que mantinha uma escolinha no bairro Assunção. Lá havia uma cadela Pastor Alemão que fora encontrada na rua e que era, segundo eles, igual à Miusha, mas certeza mesmo, não havia. Existiam muitos cães parecidos a ela, que não era dotada de nenhuma marca que a identificasse de modo singular (pelo menos, não que tenha sido percebida pelos meus pais).

Passaram-se os anos, e tivemos, até a chegada daquele que é homenageado nesse texto, outros dois cães: o Dogue e a Monga. Esta, depois de cruzar com o Ventoso, deu à luz a uma grande ninhada, da qual optamos por ficar com um cãozinho peludo, o Urso. Mais tarde, chegou a nossa poodle, a Neguinha. Em outro momento falarei de cada um deles, mas agora quero me deter apenas no Ventoso.

Heitor, ex-colega de trabalho da minha mãe, disse que uma cadela Pastor Alemão de seu sítio havia parido uma ninhada, e perguntou se minha mãe estava interessada. Na época, poucos meses antes, o Dogue havia morrido (tombou em uma orgia canina, talvez atacado pela cadela que se encontrava no cio ou por alguns daqueles que a disputavam), razão pela qual queríamos um companheiro para a Monga, que perdera o seu “corinho” (pobre do Dogue! Como era atazanado pela Monguinha).

Minha mãe perguntou ao meu pai se ele queria um Pastor Alemão. A resposta foi imediata: “sim!”. Ora, seria a realização de um sonho ter um cão de tal raça em nosso pátio. Desde a partida da Miusha, ainda mais da maneira como foi, havia essa vontade, e o momento ideal era aquele. A expectativa era grande.

No entanto, quando o Heitor e seu filho chegaram à nossa casa numa noite de domingo (acho que era o último de maio, ou o primeiro de junho de 2002) com uma caixa de sapato fechada (o que aumentou o mistério quanto ao que veríamos), sentíamos que haveria algo errado e que inexistia qualquer chance de desistirmos. Afinal, o Heitor trouxera aquele animal do seu sítio, que ficava sei-lá-onde, mas em algum lugar de difícil acesso. Bom, ao pegarmos a caixa e a abrirmos, vimos que havia ali algo bem diferente de um Pastor Alemão: um bom e velho vira-lata.

A frustração foi inevitável, principalmente do meu pai. No entanto, como já disse, não havia como desistir. Não seria certo. Teria sido propaganda enganosa? Creio que não, pois ele de fato era filho de uma Pastor Alemão. O problema era o pai. Talvez fosse um da raça Collin, ou, de repente, outro vira-lata. O fato é que aquele cãozinho que veio dentro da caixa de sapatos não era, definitivamente, um Pastor Alemão.

Aceitamos o presente, de qualquer forma. Logo nos afeiçoamos ao bichinho, que foi bem recebido pela Monga. O desafio, agora, seria dar-lhe um nome.
Desde que nasci, até então, sempre havia sido eu quem escolhia o modo pelo qual nossos animais seriam chamados. Havia sido o caso do Dogue e da Monga. Não que isso fosse regra, mas as minhas sugestões acabavam bem aceitas. No caso do nosso “pastor alemão paraguaio”, queríamos manter a tradição de nomes engraçados, e pensamos em chamá-lo de Pum. O problema é que isso levaria a situações estranhas. Frases como “Nossa, o Pum está fedendo hoje”, “O Pum está muito molhado”, “Solta o Pum na rua”, “Prende o Pum”, etc, seriam interpretadas de maneira equivocada, e se era verdade que queríamos um nome diferente e bem humorado, também não queríamos que fosse uma piada eterna. Sim, eterna, e não perpétua, pois quando chegasse o dia como o de ontem, em que ele faleceu, falaríamos: “Foi-se o Pum”, ou “O Pum foi pro céu”, ou ainda “O Pum se libertou”.

Assim, resolvemos nomeá-lo Ventoso. Claro, havia uma piada no nome, uma homenagem ao personagem homônimo do filme “Heróis Muito Loucos” (“Mistery Men”), que tinha como arma soltar puns “silenciosos, mas mortais”.

Bem, dado o nome, lembro-me que, alguns dias depois de iniciada a sua história junto à nossa família, minha mãe lhe deu uma roupinha de lã amarela e o trouxe para assistir conosco ao jogo Brasil x Bélgica, pela Copa de 2002. Era uma manhã fria daquele inverno, e foi uma festa, afinal, foi a primeira vez que trouxemos um cão para o ambiente interior da casa. No caso do Ventoso, foi a última, pois ele cresceria absurdamente nos meses seguintes, alcançando, em menos de um ano, o seu tamanho definitivo, maior que um Pastor Alemão. O detalhe é que ele era mais dócil do que um vira-lata, o que o tornava muito melhor do que a raça que meu pai sempre sonhara ter.

Apesar de dócil, o início da convivência com o Ventoso foi complicada em alguns aspectos. Ele latia e uivava muito, e não deixava a pobre da Monga em paz. Não a agredia, mas não parava de implicar e cercá-la. A Monga era o tipo de cão que adorava brincar de buscar bola, e o fazia perfeitamente: arremessávamos a esfera, ela corria, a abocanhava e nos devolvia em mãos. Contudo, quando o Ventoso cresceu, acabou a festa para a pobre Monguinha. Quando jogávamos a bola para ela, ele simplesmente não a deixava pegar. A cercava, abocanhava o “brinquedo” e ponto final. Ela, menor, aceitava.

Menos de seis meses depois de ir viver conosco, Ventoso cruzou com a Monga e desse “relacionamento” nasceu uma numerosa ninhada. Conseguimos passar adiante os cães, mas escolhemos ficar com um. Minha mãe lhe chamou Urso, pois tinha um pelo escuro, volumoso e bonito. Era totalmente preto, a não ser por uma ou outra mancha. Um cachorro igualmente amável, mas o relacionamento que teria com o seu “pai” seria um problema.

Menos de um ano depois de ter nascido, Urso e Ventoso brigavam ferozmente. Literalmente, um arrancava pedaços do outros. Era comum encontrá-los sangrando, e os confrontos eram violentos. Além disso, quando a Monga entrou no cio novamente, Urso apenas pensava na música “Mundo Animal”, dos Mamonas Assassinas (“... e os cachorros, que comem a própria mãe, suas irmãs e suas tias...”), o que era considerado um absurdo pelo Ventoso, um cão tradicionalista que não tolerava a ofensa à moral e aos bons costumes, bem como aos mais profundos princípios religiosos que valiam para todas as espécies animais. Desse modo, as lutas entre os dois eram ainda mais homéricas, havendo vezes em que se dilaceravam de pé, como dois leões. Era certo que um deles, em breve, seria morto pelo outro.

Além da briga, a disputa pela Monga os levava a latir e uivar constantemente. Urso, geralmente, levava a pior, chegando ao ponto de se esconder para não ser surrado pelo Ventoso. A situação estava insustentável, quando meu pai decidiu se livrar do Ventoso, já que ele era quem tinha a iniciativa de atacar o Urso, além de ser aquele que não parava de latir por noites e noites. Foi quando resolveu dá-lo para outra pessoa, e sem falar com a minha mãe. Ela, quando descobriu, o obrigou a buscá-lo de volta. Depois, foi a vez de tentarmos passarmos o Urso adiante, mas este, ao contrário da Monga e do Ventoso, com pessoas estranhas aos donos, era arisco, e tivemos que buscá-lo de volta.

Teríamos que encontrar uma solução para a convivência pacífica. Até que a achamos. Urso ficaria na parte da frente da casa, enquanto o Ventoso e a Monga, nos fundos, vivendo o seu “Show de Truman” (uma referência ao filme homônimo), considerando o mundo limitado e “perfeito” que habitavam.

Essa alternativa funcionava bem em dias normais, mas quando havia alguma festa ou evento na nossa casa, e como o Urso era brabo e não havia como prendê-lo (pois os fundos estavam ocupados), precisávamos deixá-lo em algum outro lugar. Em uma dessas vezes, deixamos o filho da Monga e do Ventoso no pátio da loja do meu pai. No entanto, de algum modo até hoje sem uma explicação razoável, o Urso conseguiu fugir e nunca mais o encontramos. Lamentamos muito esse fato, até porque não sabemos se ele está vivo ou não. Ficamos tristes pelo final da sua história conosco ter sido assim, sem um desfecho de fato.

Agora, era, novamente, Monga e Ventoso, o casal serelepe. Ventoso, apesar de implicante, não agredia a Monga, que teve mais outra ninhada. Dessa vez, no entanto, não ficamos com nenhum cãozinho. Logo em seguida, a castramos. Quando ela perdeu o seu “perfume de mulher”, Ventoso se tornou ainda mais implicante e ciumento. Era complicado fazer carinho nos dois ao mesmo tempo. Geralmente a família precisava se dividir, pois se só a Monga era acariciada, o Ventoso a cercava e até tentava atacá-la.

Mesmo assim, a convivência apenas entre os dois foi duradoura, e cruzou mais de cinco anos. Monga morreu em março de 2011, provavelmente vítima da Doença do Carrapato. Lembro-me que o Ventoso se agitava muito naquele dia, como se soubesse que a sua “cãojuge” não mais estava com ele. A partir de então, Ventoso se tornou o Soberano Absoluto do Pátio.

Pouco depois da Monga morrer, Ventoso adoeceu. O levamos a uma clínica veterinária ótima, Doutor de Bichos, que lhe tratou muito bem. Ele estava com a Doença do Carrapato, a mesma que levou a Monga, mas conseguiu se recuperar. Os seus últimos três anos de vida foram cheios de vitalidade, alegria, diversão e muito carinho.

No entanto, em seguida a esse problema, vieram outros. Em especial, os dentários. Várias extrações (necessárias, em função da dor que sentia) foram feitas, e em razão delas Ventoso não mais poderia comer ossos. Era uma pena privar-lhe de uma bela costela, mas melhor isso do que ver seus dentes se estilhaçando enquanto se alimentava. Sua qualidade de vida em nada mudou, e seguiu vivendo bem a sua fase “viúvo”, sempre mimado e coberto de carinho. Minha mãe e a Tia Noeci lhe acompanhavam bastante durante a semana, sempre reservando alguns instantes para afagá-lo, e o mesmo fazíamos eu, meu irmão, meus pais, minha (hoje) esposa e qualquer outro visitante.

Especialmente no último ano, Ventoso começou a perder a força nas pernas traseiras, um problema típico de Pastor Alemão (ao menos nisso ele era parecido com um). Ao mesmo tempo, não conseguia mais levantá-las para urinar, e não tinha mais total controle sobre o esfíncter. Literalmente, quando sentia vontade, ele “cagava e andava”. Nada que fosse terrível, mas sentíamos que seu fim poderia estar próximo.

No início desse mês, Ventoso não comia e estava fraco. O levamos ao veterinário, que o manteve internado por alguns dias. Constatou-se que ele estava com uma hemorragia interna no fígado, decorrente do “estouro” de alguns tumores, e que havia a chance de ele morrer. Fizeram transfusão de sangue e deram-lhe soro. Cogitaram fazer uma cirurgia, mas a chance de ele morrer na mesa de operações era muito grande. Considerando a sua idade, optou-se por permitir que retornasse à sua casa, para viver mais algum tempo, estando todos nós conscientes de que em breve ele partiria.

Ventoso teve cerca de dez dias de “sobrevida”. Chegou a comer um churrasco em volta da piscina com os meus pais, meu irmão e sua namorada, e tirou uma foto, ao lado do meu irmão, linda, que é aquela que destaco ao fim do texto. Eu não pude ir ao churrasco, mas não farei drama a respeito, pois não leva a nada. Não fui porque não podia ir, estava viajando.

Essa semana, no entanto, algo ocorreu dentro do Ventoso. Talvez mais alguns tumores tenham estourado em seu fígado e lhe enfraquecido. O fato é que ele tombou e não conseguiu mais levantar. Arrastava-se de um lado a outro, mas nada de usar as patas traseiras, que morreram antes dele. Nem para fazer as suas necessidades ele conseguia se deslocar adequadamente, acabando por urinar e defecar deitado. Suas fezes eram estranhas, escuras, como que misturadas a sangue, e o cheiro ele emanava era muito desagradável, como se houvesse algo de fato podre em seu interior. Respirava com muito esforço, e era visível seu sofrimento.

Ontem o levamos ao veterinário, e o veredicto foi dado: não havia jeito. Na verdade, havia a opção de ele fazer nova transfusão, mas sem a certeza de que adiantaria. Caso adiantasse, talvez ele aguentasse por mais uma semana, e não havia garantia de que conseguiria recuperar o movimento nas pernas. A respiração ofegante indicava o seu sofrimento, e mantê-lo seria terrível para o bichinho. Isso sem falar no cheiro podre que exalava do seu interior, o que indicava uma hemorragia.

Estávamos reunidos eu, meu pai, minha mãe e meu irmão quando decidimos pelo seu sacrifício. Foi uma decisão horrível, mas na verdade não havia outra escolha. A opção de levá-lo de volta para a casa implicaria em prolongar o seu sofrimento.

Como proprietário cadastrado na clínica, assinei a autorização e ficamos com o Ventoso por alguns longos minutos. Fizemos muito cafuné nele, e como ele gostou! Como ele se sentia bem nos nossos braços! Mas por trás daquela satisfação afetiva, havia um intenso sofrimento físico. Quando o veterinário lhe deu a sequência de doses de anestesia que o levaria daqui para uma melhor, nós quatro o acariciávamos. Ele olhava para mim, se despedia.  Todos chorávamos muito, assim como eu, que nesse exato momento escrevo afastado das teclas, pois minhas lágrimas escorrem intensamente. Meu pai lhe disse: “me espera lá no Céu com o fogo aceso para fazermos aquele churrasco”. Minha mãe o abraçou quase aos prantos, do mesmo modo que meu irmão e eu.

Eu falei que o amava, e que esperava encontrá-lo na Eternidade. E foi assim, sentindo o cafuné de seus quatro donos, que faleceu o meu amado Ventoso. Ele não foi o primeiro, nem o segundo, tampouco o meu terceiro animal de estimação que falece. Já havia perdido o Dogue, o Urso e a Monga. No caso dos três, no entanto, não havia presenciado suas mortes (no caso do Urso, sequer tenho certeza de que morreu). Na verdade, nunca havia visto um cão morrer na minha frente. Considerando o afeto que eu sentia pelo Ventoso, aliado ao fato de tê-lo visto expirado, a dor fica maior.

No entanto, apesar da dor de seu falecimento, as boas lembranças prevalecem, como divagarei em seguida.

Dentro de casa havia (e há) a Neguinha, nossa poodle desde 2008, mas ela e ele raramente se encontravam. Temíamos que uma mordida de brincadeira do Ventoso fosse suficiente para arrancar a cabeça dela. A história entre eles, ao contrário daquela vivida entre o Ventoso e o Urso e a Monga, e entre esta e o Dogue, praticamente não se cruzou. A Neguinha reinava dentro da casa, e o Ventoso, no pátio.

Ventoso não era tão preciso na brincadeira da bolinha quanto a Monga. Ela adorava, mesmo assim. Jogávamos a esfera para ele, que partia em disparada, a abocanhava e logo em seguida vinha em nossa direção para devolvê-la. Todavia, quando quase estava nos alcançando, se desviava do curso e levava seu brinquedo para dentro da sua casinha. Era essa a brincadeira dele: tínhamos que ir atrás e arrancar-lhe a bola de sua boca. Era uma rodada que durava uns cinco minutos, até o Ventoso cansar. As bolas sumiam, em seguida. Sinceramente, não sei se ele as enterrava ou as comia.

Quando guardávamos o carro na garagem, o latido do Ventoso era um anúncio ao bairro inteiro que havíamos chegado. Mais engraçado ocorria nas vezes em que ele ouvia, de longe, o som do motor home de meus pais se aproximando. Os vizinhos “adoravam” o seu latido desesperado, gritando, em caninês: “Vocês chegaram! Vocês chegaram! Até que enfim!”.

Um momento temido era o de dar-lhe comida. Durante muito tempo, o Ventoso pulava de maneira estabanada, arranhando a pobre vítima incumbida de alimentá-lo. Confesso que no início era muito chato, mas depois ele se acalmou, “amadureceu”, e o momento passou a ser um instante de convívio agradável. Ele comia ração, mas mandava ver, mesmo, quando a misturávamos com comida normal.

Na piscina, Ventoso era o companheiro inseparável do meu pai. Enquanto ele a limpava, nosso amado cão ficava dando voltas ao seu redor, ou ficava deitado, observando-o. Não tenho dúvidas de que o meu pai era o favorito do Ventoso, o seu verdadeiro “dono”, cuja careca molhada adorava lamber, bem como beber, das nossas mãos, a água da piscina. Claro que não lhe dávamos em excesso, mas ele gostava de fazer isso.

Fazer buracos também era um típico hábito do Ventoso, especialmente nos pés da coluna de concreto coberta de madeira que sustenta, ainda hoje, nossa saudosa casinha da árvore, ou junto ao muro que separa o nosso terreno de um dos vizinhos. Além disso, ele também elegeu o campinho de futebol como banheiro, adubando-o rigorosamente por doze anos, e escolheu um dos seus cantos como local para enterrar coisas, como ossos para comer depois.

Falando em ossos, poucos cães foram tão privilegiados como o Ventoso quanto à restos de churrasco. Quando meu pai assava aquela carne espetacular, em um momento popularmente conhecido como “showrrasco”, nosso cão se lambuzava, comia os ossos, banha, carne, enfim, o que lhe davam, mandava ver. Às vezes, praticamente desmaiava de tanto comer antes mesmo de o churrasco terminar. Era um grande companheiro do meu pai, especialmente, e ficava ao seu lado desde o momento em que o fogo era aceso, até depois que a louça era lavada. Às vezes, quando meu pai resolvia cochilar ao lado da churrasqueira, deitado no sofá, o Ventoso o acompanhava, e ficava ao seu lado, igualmente deitado, observando o seu dono até cair no sono. E era depois dessas churrascadas que o Ventoso fazia jus à origem do seu nome e liberava puns cruéis, sempre sob o disfarce de uma expressão de “coitadinho”, o que nos fazia rir, é óbvio.

Nas vezes em que qualquer um de nós ia para o pátio, Ventoso nos recebia no portão que liga a casa aos fundos, e tal qual um guia, acompanhava aquele que visitava o seu reino. Quando deixávamos os fundos e a garagem, nos deixava na porta da escada que leva para a parte interna do nosso lar, e só não a abria porque Deus não permitiu que os cães tivessem dado esse salto evolutivo. Ele era muito educado nesse sentido, e mesmo que essa porta estivesse aberta, não a subia, em nenhuma hipótese.

Dar comida na boca do Ventoso era um pavor. Precisávamos arremessá-la para que a pegasse no ar, pois, caso contrário, poderíamos perder a nossa mão. Lembram do “educado” que falei acima? Isso, definitivamente, não vale quando lhe dávamos (ou tentávamos dar-lhe) comida na boca.

Ventoso adorava se coçar na hera que cobre os muros do nosso pátio. Era engraçado vê-lo andando de um lado para o outro, roçando-se nas plantas e com aquela sensação de prazer.

Ventoso também foi meu companheiro enquanto eu ficava em casa apenas estudando para concursos, entre o final do ano de 2010 e o início de 2013 (interrompido por um breve período entre o final de 2011 e o início de 2012). Ele ficava deitado ao meu lado, enquanto lhe fazia carinhos. Recebia cafunés até cansar e se retirar do escritório em que me debrucei por um longo período sobre livros. Dedico a você, Ventoso, a vitória da aprovação em concurso público!

Outro ponto que gosto de me recordar dele está no fato de que, desde que adoeceu pela primeira vez, após a morte da Monga, Ventoso dormia dentro da garagem. Uma vida de rei, pois ficava deitado em um sofá e, para se entreter, o comia (sim, ele comia o sofá de madeira). Quando a Tia Noeci fazia o seu intervalo pós-almoço, lá estava ele, ao seu lado, para receber um cafuné e observá-la.

Minha mãe adorava passear pelo pátio seguida pelo Ventoso. Colhia frutas sob o seu olhar atento, e sempre que podia, lhe jogava aquela bolinha esperta que, certamente, depois daquela rodada de brincadeiras, nunca mais seria encontrada.

São muitas as lembranças, e não são todas as que estão aqui registradas, mas são todas simples, inocentes, capazes de encher de alegria uma parte de nossas vidas. Uma parte que não se apaga, mas nos marca para sempre.

Enfim, agradeço muito a Deus por Ele ter abençoado a minha família com um animalzinho tão maravilhoso, dócil e companheiro. Foram doze anos de muita alegria.

Tenho certeza de que, um dia, vamos todos nos rever no Céu, Ventoso! Até lá, nos espere se divertindo bastante com a Monga, que deve estar lhe esperando ansiosamente, com o rabo abanando.

Vai com Deus, meu amado amicão!



Comentários

  1. Linda a descrição do período maravilhoso de convivência com nosso querido Ventoso. Obrigado filhão por registrar estes momentos inesquecíveis.
    Beijo do paizão.

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