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A IMPORTÂNCIA DO "CASO MARIELLE FRANCO"



No mês de março, especificamente no dia 14, completou-se um ano do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. Depois de todo esse período marcado por idas e vindas nas investigações, enfim elas parecem ter tomado um rumo mais objetivo a partir das prisões dos dois supostos executores e, mais recentemente, da suspeita de que as armas do crime foram descartadas no mar, próximo à Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Até o momento, a principal hipótese é de que o delito teria sido motivado por ódio à vereadora, mas, sinceramente, acho isso improvável, considerando as circunstâncias em que se deu o homicídio. Arrisco-me a dizer que ela foi morta porque mexeu com gente perigosa e poderosa, e aí está a importância desse caso: uma parlamentar, representante direta do povo em sua Câmara Municipal, foi morta porque provavelmente contrariou interesses opostos.

Desde o seu assassinato, há duas linhas de comentários a respeito do "Caso Marielle Franco": a primeira se refere à pessoa Marielle, pessoa esta que teria inflado o “ódio da direita”, ao ponto de representantes de tal linha política não suportarem a existência da vereadora, razão pela qual a executaram. “Ora, como pode uma mulher negra, homossexual, feminista, socialista, do PSOL, oriunda do complexo de favelas da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, ter esse destaque?”, pensariam aqueles que a odiavam, motivando-se, assim, a matá-la. A outra linha de comentário se refere à demora para a elucidação do caso, e a reflexão envolve o mesmo raciocínio: “Ora, as investigações só podem estar demorando porque se trata de uma mulher  negra, homossexual, feminista, socialista, do PSOL, oriunda do complexo de favelas da Maré!”. Ambas as linhas de comentários certamente influenciaram a fase inicial das investigações, as quais se inclinaram para a ideia de que o crime cometido foi motivado por ódio. Entretanto, ainda que à distância e sem os autos do inquérito, me parece claro, tendo em vista aquilo que vaza pela mídia, de que o assassinato teve outras motivações, e estas certamente são econômicas e, talvez, políticas.

Não quero, nesse meu breve texto, inclinar-me sobre especificidades do caso, mas gostaria de focar naquilo que o torna efetivamente especial: uma parlamentar foi assassinada. Não importa se Marielle era mulher, negra, homossexual, socialista, do PSOL, oriunda da favela, tampouco as suas bandeiras. Tratava-se, em primeiro lugar, de uma pessoa, um ser humano que, independentemente das motivações, foi executada injusta e brutalmente. Em segundo lugar, quando esse ser humano é um parlamentar, vemos todo um sistema ameaçado. Marielle pode ter sido morta, mas a arma foi apontada contra toda a sociedade, a ameaça permanece, o medo ecoa. Um assassinato de um eleito pelo povo, seja ele um parlamentar, seja ele um chefe do executivo (ou um candidato a tal, como foi o caso de Jair Bolsonaro em setembro do ano passado, que por pouco não foi morto por um militante do PSOL), é um recado duro e assustador daqueles que temem perder seu poder, privilégios ou a hegemonia de uma visão. Uma mensagem de que o “jogo da democracia” só pode ser jogado se reservados os limites estabelecidos por aqueles que vivem à margem de suas regras, ou seja, da lei. Tal constatação é assustadora e nos dá a sensação de que vivemos uma ficção, de que nossas normas são ilusórias, de que esse sistema que se encontra pútrido não tem solução.

Assim, toda ordem é corrompida a partir do momento em que não só cidadãos comuns são ameaçados, perseguidos e mortos por manifestarem determinado posicionamento político ou realizarem ações que acabam por contrariar interesses, sejam estes legais ou ilegais, mas também, e talvez principalmente, quando representantes eleitos pelo povo são eliminados. Nesse último caso, os tiros (e a facada) são contra todas as pessoas e de todas as visões. A tendência, assim, é que as regras deixem de existir como tal, e o caçador de hoje vira a caça de amanhã. Ao final, resta a corrupção, o medo e o sangue.

O "caso Marielle" não é o primeiro e nem será o último envolvendo o homicídio de um parlamentar. Depois dela tentou-se eliminar Bolsonaro e, Brasil afora, nos grandes ou pequenos centros, infelizmente sempre há casos semelhantes registrados pela polícia. A importância do caso da falecida vereadora está na simbologia, de modo que encontrar seus executores e mandantes e condená-los à pena merecida significará a vitória da civilização e do Estado de Direito sobre a barbárie e a ignorância, ainda que seja a vitória de uma mera batalha, uma vez que a guerra pela justiça é eterna.

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