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REZEMOS PELA AMAZÔNIA (MAS, ACIMA DE TUDO, PELA VERDADE)


No Brasil, a semana começou com uma ampla discussão acerca da aprovação, de forma extremamente questionável, da Lei de Abuso de Autoridade, que bem poderia ser chamada de Lei da Impunidade. Defendida por políticos de todos os espectros, com amplo apoio daqueles envolvidos na Operação Lava-Jato, tal medida gerou revolta em nossa sociedade, mobilizando movimentos de rua a promoverem atos no próximo domingo, dia 25. Paralelamente, tramita a discussão da Reforma da Previdência no Senado Federal, da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados, e houve a aprovação da MP da Liberdade Econômica, que seguirá para sanção ao presidente Jair Bolsonaro.

Todas essas notícias são relevantes e precisam de ampla e urgente discussão, havendo pauta de sobra para resumir os últimos dias, seja por notícias negativas, como no caso da Lei do Abuso de Autoridade, seja pelas positivas, como a aprovação da MP da Liberdade Econômica e as discussões acerca das reformas essenciais para o crescimento econômico do país. Entretanto, o que fecha a semana é a “notícia” (coloco as aspas porque não se trata, efetivamente, de uma notícia, mas de uma lupa sobre um fato contínuo) relativa aos desmatamentos na Amazônia e sua repercussão internacional explosiva.

Primeiro,  e não faço isso para ficar “em cima do muro”, é preciso esclarecer que é evidente que as questões relativas ao desmatamento são graves. Ainda que não representem uma notícia, ou seja, ainda que não sejam uma novidade, mas um fato contínuo que ora se mostra mais intenso e relevante, ora mais ameno e de menor impacto, mesmo assim devem ser levados muito a sério e medidas devem ser tomadas não só emergencialmente, mas como políticas públicas, ou seja, como uma das prioridades governamentais em caráter permanente, para combatê-los.

O que me incomoda nesse estouro de manifestações de todos os cantos do globo atinentes ao que é tratado como uma crise ambiental na Amazônia (lembrando que crise remete a algo agudo, intenso, desproporcional e imediato) é a propagação de fake news não pelo Zé da Esquina ou pela Tia do ZapZap, mas por grandes personalidades de alcance mundial e que são replicadas por seus milhões de seguidores pelo planeta, multiplando-se exponencialmente, e em uma velocidade terrível, imagens e informações mentirosas relativas às queimadas que, hoje, assolam essa região de nosso país (e que não se limita a ele, mas abrange outras nações vizinhas).

Cristiano Ronaldo, Madonna, Leonardo DiCaprio, Gisele Bündchen e até o presidente francês Emmanuel Macron publicaram imagens da floresta (ou de outras regiões que sequer são a Floresta Amazônica) feitas anos, até décadas atrás. A foto de CR7 é do ano de 2013 e mostra um incêndio ocorrido na Reserva Ecológica do Taim, no Rio Grande do Sul; a de Emmanuel Macron é, de fato, da Amazônia, mas tirada em uma data não especificada, sendo utilizada em um artigo publicado na Revista Nature no ano de 2012, com o detalhe de que seu fotógrafo faleceu no ano de 2003, o que demonstra que a imagem possui, no mínimo, mais de 16 anos. Tal imagem foi replicada por Leonardo DiCaprio e Gisele Bündchen, sendo, em seguida, compartilhada e curtidas pelos seus milhões de seguidores de todo o planeta. Madonna foi ainda mais longe: sua foto é de 1989!

No ponto, é preciso dizer que, ainda que tivessem sido tiradas na atualidade, imagens isoladas de um desmatamento não necessariamente indicam que uma floresta tropical está ardendo em chamas. Mesmo assim, o fato é que, em nome de um ideal, de uma ideologia ou de um princípio (estou sendo benevolente, pois não trarei à tona eventuais “maus caratismos”), as pessoas propagam mentiras. Mentiras! Os focos da Amazônia aumentaram 85% de um ano para cá? Pode ser verdade, o que, a princípio, é corroborado tanto por aspectos climáticos da época e de uma estação mais seca do que o habitual, quanto por eventuais “encorajamentos” de desmatadores a partir de relaxamentos e omissões fiscalizatórios e de declarações equivocadas, impulsivas e, para um Chefe de Estado e de Governo, absurdas feitas pelo nosso presidente ainda em campanha e mantidas depois de eleito. Todavia, nada justifica a propagação de mentiras. É como se tivesse havido um furto de um veículo, em que apenas suas rodas foram levadas. A população local, querendo que as autoridades “façam alguma coisa” pela segurança na região, anunciam tal fato verdadeiro (furto), mas, para torná-lo mais relevante, publicam fotografias de outro automóvel de lugar e épocas distintos, com vidros quebrados, sem bancos, sem sistema de som, enfim, “depenado”. 

Uma coisa é chamar a atenção para um fato verdadeiro fazendo uso de informações verdadeiras, como uma fotografia publicada nos últimos dias pela NASA indicando focos de fumaça sobre nossa floresta tropical (cabendo ressalvar que, nesse caso, tal imagem continha a legenda de que tais queimadas não se revelavam incomuns para tal época do ano). Outra é publicar imagens que não correspondem ao mesmo momento ou lugar em nome de uma “causa nobre”. Não há nada mais totalitário do que mentir por uma causa nobre.

Michael Moore, famoso documentarista e autor de “Tiros em Columbine”, “Roger e Eu”, Sicko: SOS Saúde”, “Fahrenheit 119”, entre outras produções de sucesso, foi objeto de um outro documentário chamado “Fabricando Polêmica: Desmascarando Michael Moore”. Nele, produzido, evidentemente, por seus críticos, há um momento em que o cineasta é questionado se acha correto mentir para promover uma causa na qual acredita. Sua resposta é positiva.

Infelizmente, esse é o espírito dessas personalidades, que de estúpidas não têm nada. Não que elas (não é o caso de Michael Moores, mas de CR7, Madonna e companhia) conscientemente quisessem mentir, ou propagar mentiras, mas certamente não se importaram em conferir se o que compartilhavam correspondia à verdade, afinal, ainda que falso fosse, valia a pena pela “causa”. Isso inclusive vale para o presidente Jair Bolsonaro, que, a fim de justificar alguns posicionamentos, corriqueiramente replica fatos ou imagens falsos ou equivocados. A questão é que grandes celebridades políticas ou da mídia devem ser responsáveis por aquilo que publicam, pois sua horda de seguidores faz o que se espera de “seguidores”: simplesmente seguem os caminhos indicados, e a maioria o faz sem questionamentos.

É preciso também chamar a atenção para a colocação da “questão amazônica” na pauta do G7. Trata-se de uma medida muito estranha, ainda mais encabeçada pelo presidente francês (o mesmo que compartilhou fotografia de mais de 16 anos atrás), o qual, publicamente, discordou do Acordo Comercial entre União Europeia e o Mercosul, sendo plausível que quisesse criar dificuldades para o agronegócio brasileiro. Há muitos interesses em jogo, e isso não pode ser ignorado. 

Antes de encerrar essa minha reflexão, é preciso trazer à tona que muito disso se deve à fragilidade do presidente Jair Bolsonaro proveniente de suas declarações e posturas públicas acerca da questão ambiental. A partir do momento em que ele ataca ONGs de forma generalista, sem o apontamento de fatos concretos, fazendo o mesmo em relação aos supostos “excessos” de fiscalização, além de posicionamentos expressos de resistência ao “main stream” político ambiental internacional, sob a justificativa de estar promovendo a soberania nacional nesse quesito, acaba por se mostrar frágil em relação a acontecimentos ambientais. Logo, sua postura diante de crises dessa natureza gera uma repercussão, enquanto aquela que seria apresentada por uma Marina Silva, por exemplo, geraria outra, ainda que relativos a fatos iguais. Foi o que se viu no ano de 2006, quando as queimadas atingiram proporção semelhante às atuais, gerando, inclusive, insatisfação pública do então presidente Lula em relação ao INPE, exatamente como aconteceu com Jair Bolsonaro nesse ano. A diferença foi que, naquela ocasião, a ministra da época, Marina Silva, “comprou a briga”, apresentou posicionamentos ambientalistas fortes e manteve o diretor do INPE. O cenário era muito parecido, mas as atitudes e os discursos de Marina foram diferentes. Claro, sendo de esquerda, sempre há uma maior boa vontade por parte da maior parte da imprensa, mas não podemos negar que o discurso belicoso nesse quesito ambiental apresentado por Bolsonaro o torna um alvo fácil para ser  (ironicamente) “queimado” diante de uma situação que, como dito no início desse texto, não se mostra uma novidade, uma vez que queimadas em grandes proporções são comuns nessa época do ano (o que não afasta a gravidade de tais fatos), ainda que, no presente momento, se apresente em níveis bem superiores aos registrados mais recentemente. De qualquer forma, mesmo sendo um alvo vulnerável devido a seus posicionamentos pessoais a respeito da temática ambiental, não é correto promover mentiras, ainda que para defender um patrimônio do Brasil, da humanidade e de toda a vida do planeta.

Em suma, não devemos confundir a legítima preocupação com a situação da Amazônia e da necessidade de uma forte fiscalização sobre seus desmatadores com a promoção de mentiras politicamente motivadas. Rezemos pela Amazônia, mas, acima de tudo, rezemos pela verdade. Lembrem-se: a mentira, um dia, pode ser usada contra vocês em nome de uma “causa nobre”.

Fotografia de 1989 foi compartilhada por Emmanuel Macron, Madonna, Cristiano Ronaldo, entre outras celebridades, como se fosse atual. Notícia falsa replicada por milhões mundo afora. Quais os interesses?

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