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RESENHA -A QUARTA TEMPORADA DE “LA CASA DE PAPEL”: UMA CRÍTICA NORMAL (COM ALGUNS SPOILERS)




Ontem à noite, eu e minha esposa acabamos de assistir à quarta temporada de “La Casa de Papel”, série espanhola de tremendo sucesso e que certamente terá uma quinta temporada. Como o título de minha crônica aponta, essa é uma crítica “normal”, ou seja, limitar-me-ei a aspectos técnicos da atração, apesar de eu não ser um cineasta. Em breve, contudo, apresentarei outra que cuidará de outros pontos.

La Casa de Papel” tem uma história que poderia ser limitada a uma única e longa temporada, ou, talvez, a uma trilogia de filmes. Enquanto os “flashbacks” são ocasionais na primeira temporada, nas seguintes são cada vez mais frequentes. Embora eles se mostrem relevantes para mostrar todo o planejamento, inspiração e, a fim de não haver margem para qualquer “ponta solta” no assalto, previsão, fica evidente que seu verdadeiro objetivo é alongar o show. Claro, muitos discordarão disso, mas essa é a minha opinião.

Além disso, fica claro que a série foi pensada originalmente para não ter continuação, até mesmo pelo seu título, de maneira que muito do que acontece na terceira e na quarta temporada é um repeteco de versões do que se deu na primeira e segunda, quando o alvo era a Casa da Moeda do país ibérico.

Outro problema está na personagem Raquel Murillo, a Lisboa, interpretada por Itzar Ituño. De comissária “faca na bota” à namoradinha do vilão (ou seria herói?), ela, por se tratar de uma pessoa “do bem”, fazia o público dos dois primeiros anos da atração literalmente se dividir entre aqueles que torciam pelo cumprimento da lei e os que entendiam que os assaltantes faziam um “serviço social de rebeldia antissistema”. Além disso, ela tinha personalidade e valores. Entretanto, depois de algo que foi muito menos do que um “namoro de verão”, ela vai ao encontro daquele que perseguia e que a fez de trouxa durante as investigações, além de ter, inclusive, invadido a sua casa com o intuito de matar a sua mãe (embora tenha desistido dessa ideia), iniciando, assim, um romance totalmente absurdo e sem pé nem cabeça. Como se não bastasse, ela se transforma em uma coadjuvante patética e emotiva, tomada por um amor entorpecente e completamente injustificável. Por mais galanteador e inteligente que o “Professor” pudesse ser, não faz sentido que a Raquel das duas primeiras temporadas e com aquele histórico se rendesse a um cara como aquele em apenas duas semanas, e menos ainda que fosse ao seu encontro na Tailândia. O fato é que ela foi reduzida a um papel muito, mas muito coadjuvante e, o que é pior, testemunhamos a morte de sua personalidade. Simplesmente surgiu outra personagem, pois aquela das duas primeiras temporadas “murió”.

Por fim, a amizade entre a Lisboa/Raquel e os demais membros do grupo. Não tem justificativa que um treinamento intensivo de algumas semanas ou meses justificasse tamanha união entre a ex-inspetora e aqueles que ela perseguiu com tanto afinco. Na boa, muito forçado.

Outro detalhe que alguns acham o máximo, embora eu não, é a capacidade de vidência do Professor. Falo em “vidência” porque ele é tão, mas tão genial, que o que ele faz vai muito além do que prever situações, mas antevê-las misticamente. Na boa, isso é muito exagerado. O cara previu praticamente TUDO o que aconteceria. Ele é praticamente um “Deep Blue”, o supercomputador enxadrista russo que acabou com Kasparov nos anos 90. Ele consegue ver todos os movimentos de tudo, o que acaba por tirar, em certa medida, a graça da série. Nas duas primeiras temporadas, na verdade, ele até se mostra um tanto falível, ficando em alguns apertos, mas nas seguintes ele prova que é melhor do que o Batman (ou seria o Coringa?) e ponto final.

Alguns personagens são ridículos, como o desprezível “Arturito”, que entrou no Banco da Espanha sem que apresentasse uma explicação clara para tanto. Talvez seu objetivo fosse salvar todos os reféns e colher os frutos disso, repetindo parte do que fez nas duas primeiras temporadas, mas isso ficou pouco claro. Enfim, colocá-lo ali foi idiota, e o que seu personagem faz nessas duas últimas temporadas poderia ser feito por outro refém. Não vejo sentido em “reabrir” o seu arco.

Algumas coisas são muito forçadas, como a capacidade de os personagens realizarem uma cirurgia de alta precisão guiados por um médico paquistanês à distância, on line, sendo que os últimos passos do procedimento são feitos sem tal auxílio. É o grupo mais qualificado do universo, sem dúvidas.

De qualquer forma, é inegável que a série é muito boa, envolvente, emocionante e surpreendente. As cenas de ação são demais. Gostei bastante, e esses apontamentos são mais um desabafo daquilo que tecnicamente não me agradou, especialmente no que toca à personagem Lisboa/Raquel, que apresenta duas personalidades muito distintas sem que houvesse uma justificativa para isso.

Entretanto, apesar de a atração ser ótima, trata-se de um veneno moral, mas isso é assunto para outra crônica.






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