E
o caos enfim chegou à Porto Alegre. As notícias de que as UTIs ultrapassaram o
limite só não são acompanhadas da palavra “colapso” por mera conveniência. O
sistema colapsou, sim, e já há relatos (eu mesmo tive de profissionais que
atuam na linha de frente) de que o “protocolo Sofia” estaria a um triz de ser
executado. Considerando que recebi essa informação há cerca de uma semana,
creio que tal estimativa já esteja em uso.
Diante
desse contexto apocalíptico, não há como negar a legitimidade da adoção de
medidas mais radicais. Isso porque não nos resta opção. Existe uma realidade, a
superlotação das emergências, somada ao fato de que, ao que parece, o vírus, ao
finalmente alcançar muitas pessoas, o faz irrestritamente, e isso não se limita
ao contágio, mas à gravidade e, provavelmente, aos efeitos colaterais. A
vacinação, longe de uma cura, representa apenas uma arma nessa luta, a qual
está longe de alcançar toda a população brasileira. Não se trata, aqui, de
promover o pânico, mas reconhecer a gravidade da situação e a falta de alternativa
à nossa proteção. Um ano atrás, as medidas se justificaram pela incerteza;
hoje, é a certeza do que está diante de nossos olhos.
Porém,
há uma questão importante: o que foi feito de um ano para cá? Não pergunto em
tom provocativo, mas como cidadão e contribuinte: quantos leitos, em Porto
Alegre, foram criados e mantidos com o fim de atender às demandas por COVID e, depois, fechados quando houve um abrandamento
de casos e o “terror inicial” não se confirmou? Quantos profissionais, de cada
área específica e necessária para o combate à doença (médicos, enfermeiros,
técnicos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais) foram habilitados?
A
doença está aí e ela permanecerá para sempre, com suas cepas mais fracas e
fortes. Aprendemos ainda no Ensino Fundamental que a característica primordial
de um vírus é sua capacidade de mutação, e não importa o que façamos, o COVID
passará a fazer parte de nossa rotina. Logo, resta-nos adaptar nossa realidade
para isso. Contudo, tal adaptação não pode ser, de modo algum, morrer em vida,
usar máscara para sempre, evitar aglomerações. Meu Deus, somos seres humanos
civilizados e não mais homens das cavernas que não viviam em sociedade,
limitados ao seu núcleo duro familiar! O que deve ser feito é uma adaptação do
sistema de saúde, como se em guerra estivéssemos, convocando e habilitando seus
“reservistas” (profissionais recém-formados), construindo “quartéis” (hospitais,
unidades de pronto-atendimento e pós-doença) e centros de treinamento para os
combates diários (como residências/especializações intensivas para esse fim
específico, talvez acompanhando o próprio último período da graduação).
Podemos
aceitar, em uma situação extrema como a que vivemos no dia de hoje em Porto
Alegre, por exemplo, restrições radicais, mas os órgãos de imprensa e,
especialmente, o Ministério Público e parlamentares, precisam exigir das
autoridades transparência em relação aos questionamentos feitos acima. Essa
transparência, a fim de evitar o esquecimento e a desmobilização da sociedade, da
opinião pública e dos órgãos fiscalizadores do Poder Público, deverá ser, no mínimo, semanal. Ora, se há boletins quase
diários de mortos, contaminados, curados e vacinados, é preciso haver, com a
mesma frequência, e acompanhando o mesmo boletim, a informação, no mínimo, de
quantos leitos foram abertos para o tratamento da COVID (discriminando-se
leitos de UTI, leitos de pós-COVID, leitos de triagem e todo tipo de espaço hospitalar
necessário para o combate à doença em todas as suas fases), quantos foram
fechados, quantos profissionais específicos (médicos, enfermeiros etc) estão na
linha de frente diária, e em quais hospitais, e quantos foram habilitados ou se
encontram em fase de habilitação. Nesse último caso, a informação deverá ser
acompanhada da previsão de quando os profissionais “entrarão em combate”.
Repito:
esse boletim do “exército anti-Covid” precisa acompanhar os demais, deverá integrar
as estatísticas semanais. Isso porque, sem essas informações, não podemos
cobrar adequadamente, e de forma racional e objetiva, nossos governantes. Ora, nós, como população, podemos nos entocar
para escapar do bombardeio, mas apenas o esforço de guerra comandado pelos
gestores públicos permitirá uma vitória. Em caso de derrota, total ou parcial,
a transparência é necessária para que nossos “líderes” (as aspas se justificam
pela covardia, incompetência ou malícia de alguns) possam ser responsabilizados
na proporção de sua negligência, imperícia ou imprudência.
Voltando
para Porto Alegre, pergunto ao sr. Prefeito Sebastião Melo: e aí? O que tem
sido feito nesse sentido? Aceito, como introdução à nova política de transparência,
uma informação dos últimos 365 dias sem que o senhor seja o responsável pelo
que temos até aqui. Porém, a partir de então, eu, como cidadão, por uma questão
de transparência do Poder Público, exijo esse boletim semanal. Em uma crise
como a atual, muito mais do que sanitária, mas de ampla violação de direitos
humanos, a população até pode se submeter, por medo e necessidade de
autopreservação, a todas essas restrições, mas esteja certo de que nossa
possível ruína será acompanhada da sua responsabilização civil, administrativa
e penal. Quer fugir dela? Então, no mínimo, seja transparente.
*Imagem: https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/11/25/sebastiao-melo-lidera-em-porto-alegre.ghtml
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