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CAVALEIROS DA VIRTUDE #2: AMIZADE E SACRIFÍCIO

 


Algumas pesquisas de sites especializados em "Os Cavaleiros do Zodíaco" dizem o contrário, mas, no auge do anime, nos anos 90, sempre ouvi que Shiryu era o preferido da galera. Talvez pela cabeleira, de repente em razão da estilosa tatuagem do dragão nas costas, mas, sem dúvidas, também pelas duas virtudes que o Cavaleiro de Dragão promove em seus caminhos.

 Shiryu, ao confrontar o Dragão Negro, disse ao adversário: “No mundo, pode não existir nada pelo que valha a pena nos sacrificarmos, exceto... exceto pela amizade! Não sabemos o que é amor de pai, o que é amor de mãe. Por isso, amigos são tudo o que nos resta! Pelo menos, eu, Shiryu, escolho morrer por aquilo em que acredito!”.

 Não há nenhum outro personagem que invoque a amizade como Shiryu, que a coloque não como um sentimento, mas sim como o fundamento para a mais valorosa de todas as ações: o sacrifício. Porém, o que pode levar um amigo a se sacrificar pelo outro, que seria literalmente morrer para salvar aquele que luta ao seu lado?

 Primeiro, é importante dizer que o fato de haver amigos que não morreriam por nós não os torna nossos inimigos ou “amigos da onça”, mas apenas os inclui em uma categoria menos profunda. Amigos dispostos a se sacrificar por nós, temos poucos, talvez nenhum (de repente, nem mesmo nós sejamos esse tipo de amigo), mas sabemos que eles se revelam nas grandes adversidades. No universo de CdZ, essas adversidades pesadas começaram desde o seu nascimento, afinal, os Defensores de Atena cresceram em um orfanato, foram jogados aos leões mundo afora para se tornarem cavaleiros e, depois, já reunidos, simplesmente precisavam salvar o mundo todos os dias em batalhas de vida ou morte. Logo, esses amigos se tornaram muito mais do que parceiros de cerveja (ou saquê), mas o baluarte para a sua própria sobrevivência.

 Portanto, a amizade que Shiryu percebe existir entre ele e os demais é aquela que permite a mútua existência dele e dos amigos, ou seja, ainda que evidente que uns sejam mais fortes do que os outros, é claro, também, que todos dependem de todos para seguirem adiante. Contudo, e talvez esse seja o pulo do gato na série, a razão para a manutenção dessa existência não envolve a mera proteção de suas vidas ou de seus “negócios” (caso contrário, poderíamos estar falando da “valorosa” relação de fidelidade das famílias mafiosas), mas defender a verdade, a justiça e a liberdade.

 Aqui, é fundamental destacarmos que a divindade defendida é Atena, deusa grega das guerras justas e da sabedoria. Por “guerra justa”, entende-se aquela movida para defender um valor supremo injustamente agredido. A injusta é a promovida pelo agressor. Hitler fez uma guerra injusta, enquanto Churchill, justa, por exemplo. “Sabedoria” poderia ser compreendida como um conjunto de valores reunidos, absorvidos e vetorizados para engrandecerem o espírito humano, tornando-o apto a frutificar a vida através das virtudes, e não dos vícios, o que, sob o ponto de vista cristão, para exemplificar, envolveria os chamados “frutos do espírito”.

 Assim, quando Shiryu dá o seu sangue para consertar a armadura de Seiya (diante de Mu), se arrisca a ter uma hemorragia definitiva para resgatar Shun e o mesmo Pégaso (na luta com o Dragão Negro), vaza os próprios olhos para, mais uma vez, livrar os seus referidos amigos da morte (contra Argol de Perseu) e se lança rumo à desintegração no espaço sideral para permitir que seus companheiros sigam adiante (no confronto diante de Shura de Capricórnio), ele não está simplesmente garantindo que seus amigos sobrevivam, mas que a ideia, a bandeira, os valores que eles carregam permaneçam de pé, tremulando. Ele se dispõe a morrer para salvar os amigos pelo que eles são, e eles não são “apenas” os seus amigos, mas um universo concentrado em suas individualidades, um cosmo de sabedoria composto por brilhantes galáxias de valores supremos que, se consumido pelo caos que o ameaça, resultará não apenas na perda de seus queridos, mas de tudo o que eles representam.

 Em tempos de paz e bonança, é difícil sabermos quem são os amigos que se sacrificariam por nós, muito menos quem são aqueles por quem nós também nos disporíamos a nos sacrificar. Talvez nós mesmos não sejamos, genuinamente, amigos de ninguém, se esse for o critério. Agora, a partir do momento em que os mais profundos e supremos valores encarnados em nossos amigos são ameaçados, em que aquilo que deles frutifica a partir de suas individualidades está em vias de ser envenenado, apodrecido, escravizado, talvez até exterminado, então seremos provocados a, de fato, testarmos o nosso grau de amizade em relação aos nossos queridos. 

 Eis a grande lição apresentada por Shiryu de Dragão, aquele que se sacrifica pelos amigos. 

 E então? Shiryu apresenta alguma outra virtude que mereça destaque? Comentem!

*Imagem: https://saintseiya.fandom.com/pt-br/wiki/Shiryu_de_Drag%C3%A3o

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