Eu olhava para eles, e eles, para mim. Não sorriam, mas também não choravam. Apenas aguardavam, resignadamente, pela minha decisão. Estavam todos ali, amontoados no armário cujas portas, naquele momento, eram mantidas abertas.
Encarando-os, via-me dividido, pois persistia, em mim, uma certa vontade de dar asas à imaginação e criar mais uma história com meus Comandos em Ação, meu Super-Homem, meu Batman, o Robocop. Porém, paradoxalmente, uma força interior impedia-me de fazê-lo. Sentia-me tímido e desconfortável, mesmo na solidão do meu quarto, onde apenas Deus seria testemunha de mais uma brincadeira.
TRRRIIIIMMMM!
O chamado estridente do telefone, daqueles clássicos, de discar, quase catapultou meu coração pela boca. De repente, fui abduzido pela realidade e resgatado de meus pensamentos confusos. Atendi.
“Oi, Renan! É o Harry!”, identificou-se meu velho amigo e, na época, também vizinho e parceiro de molecadas na Rua Edgar Luiz Schneider. “Vamos brincar de esconde-esconde?”, ele perguntou.
Demorei dois ou três segundos para responder. Não mais do que isso.
“Oi, Harry! Bah, não tô muito a fim”, respondi. “Vamos lá! O Henrique e o Cassiano vão”, ele insistiu. “Não, eu vou ficar em casa, mesmo. Valeu!”, eu disse. “Tá bom, então. Falou!”.
Desliguei o telefone.
Não me recordo se, em seguida, fui assistir à TV, ler, estudar… só sei que, alguns minutos depois, ouvi a voz grave e rouca do Harry dizendo “lá vou eu, quem não se escondeu é meu!”, a do meu irmão falando “Um, dois, três Henrique!”, e a do Cassiano, aguda e desafinada, imitando uma gaivota para atrair quem estava contando e procurando na rodada e, assim, tentar (inutilmente) vencê-lo na corrida.
Curioso, observei-os por trás das janelas da minha casa. Havia, dentro de mim, a vontade de estar lá, mas, ao mesmo tempo, outra força, estranha, diferente, deixava-me desconfortável e me negava essa possibilidade, fazendo-me esconder uma infância que parecia moribunda.
Retornei ao meu quarto e ao meu armário de bonecos. Sorri para eles, e eles, se tivessem vida, certamente teriam sorrido para mim e acenado suas mãos de plástico ou borracha, algumas comidas, roídas ou quebradas, expressando seu adeus. Compreendiam que as portas daquele móvel precisavam ser fechadas para que outras fossem abertas.
“Lá vou eu! Quem não se escondeu é meu!”, anuncio. E a Glória e a Amélia, minhas filhas amadas, correm para se ocultar, contendo suas risadinhas para que o papai não as encontre tão fácil.
Imagem: Midjourney
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