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Conservar o que é bom


O título acima não é nada convidativo, correto? Claro que não, ainda mais hoje em dia. Certa vez um amigo meu, cartunista, escreveu uma breve crônica dizendo que, na atualidade, somente o que é novo, de vanguarda, é considerado bom. Ele se referia especificamente ao aspecto artístico, mas isso vale para tudo.

Hoje em dia, se alguém afirma que o homossexualismo, apesar de comum, não é normal, é praticamente queimado vivo; quem critica o aborto é visto como quem não se preocupa com a dignidade da mulher; aquele que tem religião é irracional; o que quer casar e ter filhos é visto depreciativamente como "antigo"; o que é contra a legalização das drogas é "careta". Poderia citar infinitos exemplos de preconceito com os conservadores, mas a idéia era apenas trazer os mencionados de modo que ilustrasse o meu pensamento. De fato, muitos têm uma ideia limitada de que "conservar" é manter tudo de ruim. Errado. Conservadorismo, por exemplo, seria isso: mantém TUDO exatamente como está, logo, as coisas boas e ruins permanecem e nada muda. O problema é que vivemos numa época em que toda e qualquer conservação é criticada.

Falo isso porque, na política, se há uma palavra que soa como um veneno é "conservar" ou "continuar". A campanha de Dilma Rousseff, por exemplo. Dilma é a continuidade do governo Lula, sem "eiras", nem "beiras". O candidato só não é Lula porque o atual presidente já se encontra no seu segundo mandato consecutivo. A candidata do PT é da frente continuísta, portanto. Todavia, por uma manipulação de palavras, o slogan da sua campanha é "para o Brasil seguir mudando". Ora, o que é "seguir mudando"? O governo Lula tem 8 anos e já não mudou bastante coisa? Talvez, mas por acaso mudança é uma transformação total? Claro que não. Então o que é mudar ou seguir mudando? Nem os publicitários, nem a Dilma, sabem. O fato é que não poderiam, em hipótese alguma, escrever "para o Brasil continuar melhorando", afinal, isso seria um tanto conservador, não? O verbo "continuar" é um terror na política.



O governo Lula continuou com muitas coisas daquele do FHC, e implementou outras. O discurso, todavia, é de que se fez tábula rasa, começando tudo do zero. Mentira. Foram mantidas coisas boas, e modificadas aquelas que deveriam, no entendimento dos que tomaram o poder, ser modificadas. Agora, esses jamais diriam que mantiveram ou, pior, continuaram com algo do governo anterior.

Enfim, a cultura ocidental, de um modo geral, idolatra o novo e a mudança e demoniza o antigo e a conservação. No Brasil, um país cuja cultura política é subdesenvolvida, isso é ainda mais claro. Arrisco-me a dizer que se trata, tanto no âmbito global quanto nacional, de "descartabilidade transcapitalista", uma vez que a idéia do novo é permanentemente vendida como melhor, impondo-se a descartabilidade do que é antigo, sendo-nos vedado conservar mesmo as coisas boas.

Conservar o bom é inteligente, mas mudar pela mudança, uma estupidez. Nem tudo que é novo é melhor do que aquilo que é antigo.

Continuemos assim, e a humanidade seguirá mudando. Para a pior.

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