Não vou perder tempo recorrendo ao dicionário para dizer que imortal é o que não morre, permanece vivo. Quando falamos em "vivo", não precisamos nos remeter ao sentido literal, biológico da palavra, mas a vários outros. Um deles é o legado.
O legado é a herança que todos deixamos ao mundo depois de partirmos. Ele vive de um jeito ou de outro, para o bem ou para o mal. É aquilo pelo qual seremos lembrados, seja por meio da memória de alguns ou do povo, seja pela forma como damos nosso exemplo por atitudes ou ensinamentos àqueles que nos rodeiam. No entanto, o legado deixado por alguns se dissipa no tempo, e embora não se erradique, permanece fraco, quase inexistente, fragmentado em incontáveis partículas que quase não são vistas ou sentidas, mas que, mesmo de um modo discreto, influenciam, afinal, de toda ação decorre uma reação.
Nos esportes, especificamente no futebol, é a mesma coisa. Todos deixam seus legados pelo caminho, positivos ou negativos. Os maus jogadores são lembrados por seu caráter deplorável, técnica deficiente ou descomprometimento; os bons, pela índole virtuosa, a garra ou a qualidade indiscutível. No entanto, existem aqueles que simplesmente estavam no lugar e na hora certa para escreverem, para o bem, seus nomes nas histórias dos clubes por onde passam. São atletas geralmente medíocres ou, para usar uma palavra menos agressiva, "medianos", que realizam feitos memoráveis capazes de apagar eventuais (e predominantes) impressões negativas, sendo para sempre recordados em função de tais fatos isolados, mas marcantes.
Eu poderia ficar um dia inteiro listando exemplos de jogadores de futebol que se tornaram positivamente imortais em função de feitos isolados, mas incrivelmente significativos, mas me preocuparei em listar apenas alguns, para, ao final, dar aquele a quem considero o exemplo perfeito ou, talvez, o que pensou concretamente nessas palavras que agora registro, culminando na elaboração de um projeto em tal sentido.
Vejamos o volante Kleberson. Depois de ser visto pelo Brasil inteiro como a "máquina" do bom time do Atlético-PR, campeão brasileiro de 2001, foi convocado para a Copa de 2002 e, lá, foi considerado o "ajeitador" da equipe, ou seja, aquele que não era craque, mas que fez toda a engrenagem daquela Seleção Brasileira funcionar em sua plenitude, permitindo que os craques de então (Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho) fizessem a diferença. Kleberson nunca mais jogou nada, mas até hoje, dez anos depois, seu cartão de visitas se baseia naqueles cinco jogos do mundial em que atuou.
Vindo para a dupla grenal, quem não se lembra do lateral-direito/meia Itaqui? Itaqui era um jogador mediano, mas que, das quatro temporadas em que esteve no Grêmio (1998/2001), foi titular absoluto por pelo menos duas, e com diferentes treinadores. Nunca foi unanimidade, não era habilidoso, e no momento em que era substituído, os comentários dos "especialistas" que narravam as partidas era que o atleta "cumprira bem sua função", e nada mais. No entanto, um feito o marcou para sempre: em 1998 (seu melhor momento, quando Ronaldinho Gaúcho era o seu reserva), Itaqui fez um golaço contra o Corinthians, de falta, em partida realizada no estádio Pacaembu, válida pelas quartas de final do Brasileirão daquele ano. O gol ficou marcado na memória dos gremistas porque, além de ter sido lindo, foi o grito de esperança tricolor naquele desafio considerado, por muitos, perdido, uma vez que a equipe gaúcha havia sido derrotada em casa, no confronto de ida. O Grêmio venceu aquele jogo, e mesmo que tenha vindo a ser eliminado no seguinte (o sistema era de play-offs - melhor de três), deixou o legado do golaço do "Itaqui-Seleção", como muitos o chamavam, ironicamente, durante aquele campeonato. Quando algum gremista fala do Itaqui com outro que não tenha a memória muito apurada, basta dizer-lhe que se trata "daquele do golaço de falta contra o Corinthians" que o ouvinte logo se lembrará.
E o que dizer do meia Aílton? Este é um dos jogadores mais sortudos de todos. Sempre fora o típico meia "não-fede-nem-cheira", e jamais foi unanimidade em qualquer uma das dezenas de equipes por onde tenha passado. De qualquer forma, até hoje é lembrado como aquele que dera o chute cruzado que acabaria desviado pela barriga de Renato Portaluppi para as redes, na final do Campeonato Carioca de 1995, vencido pelo Fluminense. Um ano depois, em 1996, depois de ter entrado aos 35 minutos do segundo tempo da finalíssima do brasileirão, desferiu um pataço certeiro e indefensável, dando ao Grêmio o bicampeonato nacional. Aílton era vaiado em quase todos os jogos, não era um jogador de alto nível, mas quem se importa? Em um lance, apagou tudo de ruim acumulado e entrou positivamente para a História.
Quanto ao Internacional, creio que não haja exemplo melhor do que aquele que dera o mais importante título da História Colorada: Adriano Gabiru. Adriano era um bom jogador no Atlético-PR (nada além de "bom") entre os anos de 1999 e 2001 e, depois, apenas decaiu. No meio desse descenso, veio para o Inter para compor o grupo que viria a ser campeão da Libertadores de 2006 e nunca teve qualquer atuação capaz de deixar um legado positivo e sólido. No entanto, em dezembro daquele ano, substituiu o ídolo Fernandão lá pelos trinta minutos do segundo tempo da finalíssima contra o Barcelona e, em um lance em que o zagueiro Puyol furou feio, aproveitou a chance e pronto: gol para o Inter, mundial conquistado e imagem a ser repetida até o fim dos tempos. Gabiru é o mais sólido exemplo de todos, pois talvez tenha sido o maior paradoxo entre jogador ruim X gol importante. E mesmo assim, por pior que tenha sido a passagem desse atleta pelo Beira-Rio, seu legado positivo foi garantido com aquele golzinho chorado.
De qualquer forma, todos esses jogadores citados, por pior que fossem, tornaram seus legados positivos junto ao torcedor de modo ocasional, ou seja, não planejaram ser lembrados de modo carinhoso ao acaso. Claro que gostariam que seus nomes fossem marcados na História dos clubes por onde passavam, mas que isso se desse com o trabalho do dia-a-dia, como acontece em relação a qualquer verdadeiramente bom atleta. No entanto, há aqueles que planejam ou, para ser menos cruel, sonham com isso, e o exemplo perfeito se chama André Lima, centroavante do Grêmio.
André Lima não é um grande jogador. Trata-se de um centroavante razoável, incapaz de ser o líder do ataque de uma equipe vencedora, mas no máximo de uma mediana. Talvez sirva como mero substituto de ocasião e nada além disso. Nunca conseguiu ser o "camisa 9" do Grêmio, e sentindo isso, adotou, voluntariamente o a "99". Além disso, no dia em que comunicara a imprensa de tal decisão, disse que era o "Guerreiro Imortal" gremista, que amava o clube e lutaria, incessante e incondicionalmente e derramando sangue, para dar alegrias ao torcedor.
Ninguém entendeu muito bem aquela autopromoção do centroavante do Grêmio e, mesmo que reconhecessem como um jogador dedicado, embora deficiente tecnicamente, não compreendiam como ele poderia ser "imortalizado" em uma época de seca de títulos, em que dificilmente haveria oportunidade para que aquele codinome ganhasse sentido. E André Lima sabia que, para que seu apelido não fosse lembrado com escárnio e ironia pelo torcedor, seria necessário um modo suficientemente objetivo para imortalizá-lo de fato, e para o bem, junto ao imaginário tricolor. Pois bem: o atacante conseguiu o que queria.
A noite do dia 08 de dezembro de 2012 será lembrada para sempre como aquela em que a moderna (embora ainda incompleta) Arena do Grêmio foi inaugurada. A festa ficará para sempre registrada nos arquivos da mídia e na memória da torcida, assim como o jogo inaugural, Grêmio X Hamburgo, da Alemanha e, é claro, os gols de tal partida, vencida pelo tricolor gaúcho por 2 x 1. E de quem foi o primeiro escore da História da Arena? De André Lima.
Na elaboração de um projeto, de um plano, sabemos que se depende, muitas vezes, de oportunidades perfeitas para que os objetivos traçados sejam alcançados. Ou seja: por mais que nos esforcemos e cumpramos etapas desse projeto, é necessário um cenário em condições para o sucesso. Dificilmente André Lima se tornaria o "Guerreiro Imortal" dando títulos ao Grêmio, liderando o ataque tricolor e empilhando gols regularmente, e ele sabia (e sabe) disso. No entanto, para que fosse "imortalizado" e deixasse um legado positivo para o imaginário da torcida gremista, isso não seria necessário. Bastaria a oportunidade perfeita, que veio.
André Lima, enfim, se tornou o "Guerreiro Imortal" gremista, e não importa o que aconteça: mesmo que a Arena, a exemplo do que acontecerá com o Olímpico, seja demolida um dia, seu nome ficará para sempre registrado como aquele que fora o primeiro a balançar as redes da então nova casa tricolor. E este foi, é e será o seu legado junto à História do Grêmio.
Foto: Edu Andrade/Gazeta Press (imagem: http://placar.abril.com.br/hamburgo/andre-lima/noticias/na-estreia-da-arena-gremio-repete-2-x-1-no-hamburgo-e-provoca-inter.html)
O legado é a herança que todos deixamos ao mundo depois de partirmos. Ele vive de um jeito ou de outro, para o bem ou para o mal. É aquilo pelo qual seremos lembrados, seja por meio da memória de alguns ou do povo, seja pela forma como damos nosso exemplo por atitudes ou ensinamentos àqueles que nos rodeiam. No entanto, o legado deixado por alguns se dissipa no tempo, e embora não se erradique, permanece fraco, quase inexistente, fragmentado em incontáveis partículas que quase não são vistas ou sentidas, mas que, mesmo de um modo discreto, influenciam, afinal, de toda ação decorre uma reação.
Nos esportes, especificamente no futebol, é a mesma coisa. Todos deixam seus legados pelo caminho, positivos ou negativos. Os maus jogadores são lembrados por seu caráter deplorável, técnica deficiente ou descomprometimento; os bons, pela índole virtuosa, a garra ou a qualidade indiscutível. No entanto, existem aqueles que simplesmente estavam no lugar e na hora certa para escreverem, para o bem, seus nomes nas histórias dos clubes por onde passam. São atletas geralmente medíocres ou, para usar uma palavra menos agressiva, "medianos", que realizam feitos memoráveis capazes de apagar eventuais (e predominantes) impressões negativas, sendo para sempre recordados em função de tais fatos isolados, mas marcantes.
Eu poderia ficar um dia inteiro listando exemplos de jogadores de futebol que se tornaram positivamente imortais em função de feitos isolados, mas incrivelmente significativos, mas me preocuparei em listar apenas alguns, para, ao final, dar aquele a quem considero o exemplo perfeito ou, talvez, o que pensou concretamente nessas palavras que agora registro, culminando na elaboração de um projeto em tal sentido.
Vejamos o volante Kleberson. Depois de ser visto pelo Brasil inteiro como a "máquina" do bom time do Atlético-PR, campeão brasileiro de 2001, foi convocado para a Copa de 2002 e, lá, foi considerado o "ajeitador" da equipe, ou seja, aquele que não era craque, mas que fez toda a engrenagem daquela Seleção Brasileira funcionar em sua plenitude, permitindo que os craques de então (Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho) fizessem a diferença. Kleberson nunca mais jogou nada, mas até hoje, dez anos depois, seu cartão de visitas se baseia naqueles cinco jogos do mundial em que atuou.
Vindo para a dupla grenal, quem não se lembra do lateral-direito/meia Itaqui? Itaqui era um jogador mediano, mas que, das quatro temporadas em que esteve no Grêmio (1998/2001), foi titular absoluto por pelo menos duas, e com diferentes treinadores. Nunca foi unanimidade, não era habilidoso, e no momento em que era substituído, os comentários dos "especialistas" que narravam as partidas era que o atleta "cumprira bem sua função", e nada mais. No entanto, um feito o marcou para sempre: em 1998 (seu melhor momento, quando Ronaldinho Gaúcho era o seu reserva), Itaqui fez um golaço contra o Corinthians, de falta, em partida realizada no estádio Pacaembu, válida pelas quartas de final do Brasileirão daquele ano. O gol ficou marcado na memória dos gremistas porque, além de ter sido lindo, foi o grito de esperança tricolor naquele desafio considerado, por muitos, perdido, uma vez que a equipe gaúcha havia sido derrotada em casa, no confronto de ida. O Grêmio venceu aquele jogo, e mesmo que tenha vindo a ser eliminado no seguinte (o sistema era de play-offs - melhor de três), deixou o legado do golaço do "Itaqui-Seleção", como muitos o chamavam, ironicamente, durante aquele campeonato. Quando algum gremista fala do Itaqui com outro que não tenha a memória muito apurada, basta dizer-lhe que se trata "daquele do golaço de falta contra o Corinthians" que o ouvinte logo se lembrará.
E o que dizer do meia Aílton? Este é um dos jogadores mais sortudos de todos. Sempre fora o típico meia "não-fede-nem-cheira", e jamais foi unanimidade em qualquer uma das dezenas de equipes por onde tenha passado. De qualquer forma, até hoje é lembrado como aquele que dera o chute cruzado que acabaria desviado pela barriga de Renato Portaluppi para as redes, na final do Campeonato Carioca de 1995, vencido pelo Fluminense. Um ano depois, em 1996, depois de ter entrado aos 35 minutos do segundo tempo da finalíssima do brasileirão, desferiu um pataço certeiro e indefensável, dando ao Grêmio o bicampeonato nacional. Aílton era vaiado em quase todos os jogos, não era um jogador de alto nível, mas quem se importa? Em um lance, apagou tudo de ruim acumulado e entrou positivamente para a História.
Quanto ao Internacional, creio que não haja exemplo melhor do que aquele que dera o mais importante título da História Colorada: Adriano Gabiru. Adriano era um bom jogador no Atlético-PR (nada além de "bom") entre os anos de 1999 e 2001 e, depois, apenas decaiu. No meio desse descenso, veio para o Inter para compor o grupo que viria a ser campeão da Libertadores de 2006 e nunca teve qualquer atuação capaz de deixar um legado positivo e sólido. No entanto, em dezembro daquele ano, substituiu o ídolo Fernandão lá pelos trinta minutos do segundo tempo da finalíssima contra o Barcelona e, em um lance em que o zagueiro Puyol furou feio, aproveitou a chance e pronto: gol para o Inter, mundial conquistado e imagem a ser repetida até o fim dos tempos. Gabiru é o mais sólido exemplo de todos, pois talvez tenha sido o maior paradoxo entre jogador ruim X gol importante. E mesmo assim, por pior que tenha sido a passagem desse atleta pelo Beira-Rio, seu legado positivo foi garantido com aquele golzinho chorado.
De qualquer forma, todos esses jogadores citados, por pior que fossem, tornaram seus legados positivos junto ao torcedor de modo ocasional, ou seja, não planejaram ser lembrados de modo carinhoso ao acaso. Claro que gostariam que seus nomes fossem marcados na História dos clubes por onde passavam, mas que isso se desse com o trabalho do dia-a-dia, como acontece em relação a qualquer verdadeiramente bom atleta. No entanto, há aqueles que planejam ou, para ser menos cruel, sonham com isso, e o exemplo perfeito se chama André Lima, centroavante do Grêmio.
André Lima não é um grande jogador. Trata-se de um centroavante razoável, incapaz de ser o líder do ataque de uma equipe vencedora, mas no máximo de uma mediana. Talvez sirva como mero substituto de ocasião e nada além disso. Nunca conseguiu ser o "camisa 9" do Grêmio, e sentindo isso, adotou, voluntariamente o a "99". Além disso, no dia em que comunicara a imprensa de tal decisão, disse que era o "Guerreiro Imortal" gremista, que amava o clube e lutaria, incessante e incondicionalmente e derramando sangue, para dar alegrias ao torcedor.
Ninguém entendeu muito bem aquela autopromoção do centroavante do Grêmio e, mesmo que reconhecessem como um jogador dedicado, embora deficiente tecnicamente, não compreendiam como ele poderia ser "imortalizado" em uma época de seca de títulos, em que dificilmente haveria oportunidade para que aquele codinome ganhasse sentido. E André Lima sabia que, para que seu apelido não fosse lembrado com escárnio e ironia pelo torcedor, seria necessário um modo suficientemente objetivo para imortalizá-lo de fato, e para o bem, junto ao imaginário tricolor. Pois bem: o atacante conseguiu o que queria.
A noite do dia 08 de dezembro de 2012 será lembrada para sempre como aquela em que a moderna (embora ainda incompleta) Arena do Grêmio foi inaugurada. A festa ficará para sempre registrada nos arquivos da mídia e na memória da torcida, assim como o jogo inaugural, Grêmio X Hamburgo, da Alemanha e, é claro, os gols de tal partida, vencida pelo tricolor gaúcho por 2 x 1. E de quem foi o primeiro escore da História da Arena? De André Lima.
Na elaboração de um projeto, de um plano, sabemos que se depende, muitas vezes, de oportunidades perfeitas para que os objetivos traçados sejam alcançados. Ou seja: por mais que nos esforcemos e cumpramos etapas desse projeto, é necessário um cenário em condições para o sucesso. Dificilmente André Lima se tornaria o "Guerreiro Imortal" dando títulos ao Grêmio, liderando o ataque tricolor e empilhando gols regularmente, e ele sabia (e sabe) disso. No entanto, para que fosse "imortalizado" e deixasse um legado positivo para o imaginário da torcida gremista, isso não seria necessário. Bastaria a oportunidade perfeita, que veio.
André Lima, enfim, se tornou o "Guerreiro Imortal" gremista, e não importa o que aconteça: mesmo que a Arena, a exemplo do que acontecerá com o Olímpico, seja demolida um dia, seu nome ficará para sempre registrado como aquele que fora o primeiro a balançar as redes da então nova casa tricolor. E este foi, é e será o seu legado junto à História do Grêmio.
Foto: Edu Andrade/Gazeta Press (imagem: http://placar.abril.com.br/hamburgo/andre-lima/noticias/na-estreia-da-arena-gremio-repete-2-x-1-no-hamburgo-e-provoca-inter.html)
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