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A ANSIEDADE DE OLAVO DE CARVALHO PELA SUA REVOLUÇÃO CULTURAL


Há cerca de dois anos passei a irregularmente acompanhar Olavo de Carvalho em seu canal do YouTube. Inicialmente, a má qualidade de seus vídeos, a luz amarela de sua biblioteca, a fumaça de seu cigarro e o refrigerante para “atenuar” sua sede eram impressões visuais desagradáveis, o que acabava por cortar minha paciência nos vídeos mais longos. Quem me recomendou o canal foi o próprio YouTube e sua “inteligência” artificial (detesto tal tarefa de recomendação, pois sinto minha mente violada). Enfim, não passei a seguir o canal, mas às vezes assistia a algo. Ainda não li seus livros, embora dois deles estejam na minha estante. Aliás, não deixa de ser engraçado olhar para ela e, em meio a tantas obras, ser ofendido, com letras garrafais, de “idiota” e “imbecil”. É um alívio que não sejam palavrões!

Na verdade, estou lendo “O mínimo que você deveria saber para não ser um idiota”, coletânea de artigos jornalísticos do filósofo organizada por Felipe Moura Brasil em 2013, mas como ainda não terminei minha jornada pelas “Memórias da Segunda Guerra Mundial”, de Winston Churchill, inclino-me sobre o livro de Olavo de Carvalho apenas naquela horinha da manhã em que meu intestino funciona. Um artiguinho e deeeeeeu. Enfim, um detalhe de minha vida privada na privada. De qualquer forma, o que quero dizer é que não mergulhei de cabeça na obra  e no pensamento do autor, de modo que minha visão a seu respeito ainda é muito limitada por seus vídeos  publicados no YouTube. Mesmo assim, é possível verificar que a cruzada (legítima, diga-se de passagem) de Olavo é cultural, e ele está certo, afinal, a única maneira de transformar uma sociedade é transformando sua cultura. A transformação da cultura faz as mudanças virem de baixo para cima, de dentro para fora, uma modificação que se torna muito mais sólida e enraizada, com grande resistência a imposições políticas e de força. Para tanto, é preciso tempo, e a pluralidade de um ambiente político democrático estão nesse contexto. 
"O Mínimo..." e "O imbecil..." são as obras mais populares de Olavo de Carvalho.
O mais popular livro de Olavo de Carvalho se chama “O imbecil coletivo”, outra coletânea de artigos, que é o terceiro volume e o fecho da abóbada da trilogia iniciada por “A nova era e a revolução cultural” (1994) e  “O Jardim das Aflições” (1995). Datado de 1996, ainda é apontado como muito atual (não tenho opinião formada pois ainda não o li). O título “O imbecil...” seria uma ironia aos conceitos de “intelectual orgânico” (os intelectuais porta-vozes de classes sociais) e de “intelectual coletivo” (os partidos políticos) criados por Antônio Gramsci, o grande filósofo da transformação cultural em favor das visões marxistas. Assim, o grande objetivo de vida de Olavo de Carvalho é justamente se contrapor, ao menos nacionalmente, à cruzada cultural gramsciana, a qual vem sendo empreendida há quase sessenta anos em nosso país e criou fortes raízes em todos os ambientes promotores de cultura, como a educação, a arte, a mídia jornalística e a religião. Ele defende com unhas e dentes a ampla mudança da cultura brasileira segundo os aspectos apontados em suas obras e seminários, e vem ganhando cada vez mais simpatizantes com o tempo.
Pensamento de Antônio Gramsci domina a cultura ocidental contemporânea
Durante a campanha presidencial de 2018, Olavo apoiou abertamente Jair Bolsonaro, sendo por muito apontado como seu “guru”. Na verdade, os filhos de Bolsonaro e muitos outros ao redor do atual presidente do Brasil apoiam suas visões, sendo possível dizer que há um núcleo “revolucionário cultural” no governo federal. Sinceramente, acho má intencionada a interpretação de que Olavo de Carvalho seria “guru” do presidente ou de qualquer outra pessoa no governo, sendo, no máximo, um grande influenciador de pensamento ou de visão de mundo, tendo palpitado objetivamente apenas quando da nomeação do atual Ministro da Educação e do Ministro de Relações Exteriores. Contudo, Olavo tem se mostrado muito contrariado com os rumos da atual gestão, e recentemente clamou aos seus alunos e ex-alunos que por ventura ocupem cargos no governo federal que os abandonem.

Tal atitude de Olavo de Carvalho é compreensível. Apesar de não se encontrar caquético, ele está velho. Conquanto seus hábitos cotidianos não sejam os mais saudáveis, não necessariamente significam um “encurtamento” de sua vida. Mesmo assim, ele, inteligente como é, sabe que “não é mais um guri”. Viverá mais dez ou vinte anos, talvez um pouco mais, talvez um pouco menos. O fato é que Olavo está ciente de que não tem cinquenta anos pela frente, o que significa que, para ele, a transformação cultural com a qual sonha deveria se dar hoje, agora ou, na pior das hipóteses, durante os próximos quatro ou oito anos, de modo que, em no máximo uma década, nosso país esteja devidamente munido de valores para se tornar aquilo que ele sonha. Ele teme que isso não venha a acontecer ou, o que seria pior, que pessoas que se dizem suas seguidoras, uma vez no poder, façam parte desse fracasso. Olavo é orgulhoso, e ver em vida o fracasso prático de sua visão de mundo seria um grande golpe em seu ego, algo insuportável. Claro, nada mais assustador para um intelectual do que aquilo  por ele defendido há décadas, uma vez colocado em prática, possa não dar certo. Todavia, não há motivo para alarde.

Como já exaustivamente destacado, o grande objetivo de Olavo de Carvalho é transformar a cultura nacional segundo a sua visão de mundo, o que é legítimo, repito. Entretanto, como também já referido, uma transformação cultural sólida precisa estar enraizada na sociedade. Isso já vem acontecendo, e sua prova é a eleição de Bolsonaro  e de uma razoável mudança nas fotografias do Congresso Nacional. No entanto, a política ainda é dinâmica e feita por pessoas em um ambiente plural e democrático, e quando falo isso nem estou indo aos “extremos” de esquerda e direita, ou de situação e oposição, mas me refiro às diferenças de opiniões específicas sobre determinados assuntos, o que é motivado não necessariamente por ideologia, mas por aspectos práticos, de experiência própria de vida ou, ainda,  por interesses pessoais. Faz parte, e desde que o mundo é mundo, seja aqui, no Japão, na Noruega, na Inglaterra ou em qualquer outro lugar, nunca haverá uma unidade de pensamento e de ações. Logo, é natural que, ainda que o núcleo ao redor de Bolsonaro possa concordar com a visão de mundo de Olavo de Carvalho, ainda assim não será possível aplicá-lo em meia dúzia de canetaços, devendo-se aceitar a pluralidade inererente à democracia e a diferentes posições individuais, as quais, evidentemente, não podem, no governo, ser antagônicas ao ponto de inviabilizar ou descaracterizar objetivos centrais delineados e que são amparados por valores básicos previamente estabelecidos. 

A visão cultural marxista precisou de quase sessenta anos para se enraizar solidamente não apenas na sociedade brasileira, mas em todo o mundo ocidental. Assim, a “revolução cultural” sonhada por Olavo de Carvalho, ainda mais em uma sociedade democrática, não se dará em um governo, tampouco em dois. Trata-se de algo gradual que possivelmente demande um terço de século ou até mais. Olavo fez a sua parte e, intelectualmente, segue fazendo, cabendo à sociedade, através dos cada vez mais amplos e públicos debates que venham a surgir,  inclinar-se mais para o seu lado ou para aquele defendido pelos marxistas. Acredito que muito de sua visão de mundo venha a prevalecer, mas também que muito não se aproveitará. De quaquer forma, o “filósofo do momento” deve aceitar que a transformação a que visa, caso bem sucedida, se dará aos poucos, e que, assim como ocorreu com Antonio Gramsci, o grande influenciador de nossa cultura ocidental contemporânea, talvez não venha a efetivamente vivenciá-la.





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