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A BELEZA E A SABEDORIA DE UMA NOITE DE CÉU ESTRELADO




Estou encerrando minhas férias, e os últimos dias desse meu período de descanso estão sendo no humilde, acolhedor e familiar balneário de Rondinha, situado na cidade de Arroio do Sal, no litoral norte do Rio Grande do Sul. Encontro-me com minha amada esposa Roberta e minha maravilhosa filhinha Glória na casa de meus grandes amigos Douglas e Elias e, nesse exato momento, madrugada do dia 03 de março de 2019, digito essas reflexões embalado por uma rede confortável suspensa em uma varanda ampla e muito agradável, ao mesmo tempo em que escuto o som dos grilos, sapos e outros animais noturnos, vez que outra interrompidos pelos ferozes latidos de cães em torno de uma cadela no cio. Sinto sob os meus pés a grama úmida pelo sereno, inspiro o aroma da noite e seus perfumes tomados das plantas ao meu redor e do mar, tão próximo daqui. Então, mais importante do que todas essas percepções, ergo minha cabeça e contemplo um céu estrelado, muito mais estrelado do que estou acostumado a observar nas noites mais abertas e secas que podem haver em Porto Alegre.


Introduzi esse texto para o fim de situar o leitor a respeito de diversos aspectos físicos e sensoriais que tocaram o meu estado de espírito e inspiraram-me a escrever essas palavras. Não falarei especificamente de Rondinha, não é esse o meu objetivo nesse momento, embora eu prometa que o farei em breve, em um capítulo da História da Minha Vida. Meu objetivo, aqui, como referi, é refletir sobre o encanto e o significado desse céu estrelado que Deus, a natureza e o ambiente que Ele criou e permitiu que se desenvolvesse me presentearam.

Em 1998, quando cursava a Sétima Série do Ensino Fundamental, divulgou-se na minha escola, o Instituto Educacional João Paulo I (na época ainda não era chamado de “Colégio João Paulo I”) um concurso de redação. Não lembro qual era o prêmio e, para ser sincero, eu nem sabia exatamente o que era, tecnicamente, uma redação, ou seja, eu não tinha ideia de como escrever uma. Não estou criticando a minha educação ou coisa parecida, mas eu realmente ainda não havia aprendido técnicas metodológicas básicas, como a organização do texto em introdução, desenvolvimento e conclusão. Mesmo assim, eu já gostava de escrever criativamente, e interpretei aquele concurso como uma oportunidade de “competir” fazendo algo que me dava muito prazer. Quem sabe eu não ganharia? Em minha mente imatura e limitada, eu pensava que se fizesse o melhor texto, o mais criativo ou o mais tocante, além de gramaticalmente bem escrito, eu teria chances de “faturar o caneco” (repito que não lembro que “caneco” seria esse).

Enfim, no dia do concurso, lá estava eu, pronto e inspirado para escrever, não importando qual seria o tema. Recordo-me de que era um sábado pela manhã, e estava frio e chuvoso. Creio que a prova se deu em meados de setembro. Além de mim, minha turma tinha apenas outra representante, Fernanda Abdala, e havia alunos de várias séries (anos) diferentes. Então, quando distribuíram as folhas, lá estava o tema: “Céu sem estrelas”. Um tema naturalmente poético e subjetivo, muito complexo para um jovem de 12 ou 13 anos. Mesmo assim, respirei fundo e escrevi, esperançoso de que as palavras que registraria poderiam significar um prêmio.

Sinceramente, não me lembro de uma vírgula do meu texto, mas recordo-me que estruturalmente foi um desastre (algo que descobri pensando comigo mesmo no ano seguinte, depois de ter aprendido, tecnicamente, a fazer uma redação). Sei que fiz alguma relação entre um “céu sem estrelas” e algo do “cotidiano”, mas isso não importa. O que é fato é que não ganhei, nem cheguei perto disso. Também não sei quem ficou em primeiro lugar. Entretanto, até hoje eu me pergunto como poderia ter escrito aquele texto se fosse mais maduro, experiente e tecnicamente mais bem preparado. Enfim, é hora de acertar essa conta com o passado, mas meu foco não será a ausência de estrelas no céu, mas o contrário: a riqueza de uma noite de céu estrelado. Como contraponto, veremos a miséria da ausência de tal estupenda visão noturna.

Como falei ao iniciar esse texto, minha inspiração para escrever essas palavras vieram da noite estrelada que zela o balançar da minha rede. É incrível como nos desacostumamos a contemplar a natureza, o que vale tanto para a pequena planta situada em um canto qualquer de um apartamento cinzento quanto para as árvores e os animais que existem ao nosso redor na cidade ou, em uma escala infinitamente maior, o céu de uma noite aberta e suas estrelas brilhantes. Cá estou, nesse exato instante, observando o domo escuro, porém encrustado de diamantes, da noite de Rondinha e percebo como ele é inspirador.

Em 1996, eu e minha família passamos a morar no Jardim Isabel (na época, um loteamento do Bairro Ipanema, em Porto Alegre). Meu quarto e de meu irmão Henrique era no sótão, que possuía (ainda possui, na verdade), uma grande janela com uma vista espetacular do Lago Guaíba, de parte do Morro do Osso e, claro, do próprio céu. No caso, nossa janela era, inicialmente, desprovida de cortina, de modo que acabamos por criar o hábito de adormecermos olhando o céu. Era incrível como podíamos enxergar milhões, bilhões de estrelas, como se tivéssemos à nossa disposição um planetário. Com o tempo, o loteamento e a cidade ao redor se desenvolveram (o loteamento foi “promovido” a bairro), de modo que suas luzes tornaram mais difícil uma contemplação do céu estrelado, ofuscando sua beleza.

Lembro-me que, deitado em minha cama, eu passava longos minutos com os olhos abertos observando as estrelas, tentando adivinhar se havia percebido alguma constelação ou, simplesmente, contemplando sua beleza, até que o sono me consumia e eu era despertado longas horas depois pela claridade do novo dia que se iniciava. Isso foi se perdendo com o tempo, e o interessante é que essa realidade de minha vida se repetiu e se repete em tantas outras, não exatamente da maneira como se deu no meu caso, mas no fato de que, com o tempo, esquecemos do quão importante é observar um céu estrelado. Ignoramos sua ocultação pelas luzes artificiais da cidade e achamos que não é tão importante contemplar tal encanto noturno oferecido pelo cosmo.

Render-se à contemplação de um magnífico céu estrelado envolve dois aspectos: o da beleza natural, pura e simples, e o da sabedoria divina por ela transmitida. Ambos são fundamentais para a nossa existência e tremendamente carregados de significados extremamente relevantes.

O primeiro deles, o da beleza natural, é aquele que, sem querer ser desonesto com o leitor, poupa palavras. Estar em uma praia pouco urbanizada como Rondinha nos permite olhar para o céu e ver como ele é lindo à noite, como as estrelas se acumulam lado a lado, como seus brilhos pulsam. Vemos os desenhos das constelações, às vezes somos surpreendidos por uma estrela cadente que rasga os céus, enxergamos a preciosidade daquilo que lembram infinitas joias cósmicas esculpidas por Deus e que lampejam intensamente como faróis aos astros e aos humanos, do primeiro e mais antigo ao que nasce nesse exato instante. Assim como a sensação de prazer e de intensa conexão com a natureza oferecida pela mais paradisíaca das praias, pela mais vigorosa cachoeira, pelo mais dourado deserto, pela mais rica floresta, o mesmo vale para o céu estrelado, com o diferencial de que sua conexão rompe qualquer limite temporal e de espaço, ou seja, diferentemente do cenário oferecido pela praia, pela cachoeira, pelo deserto ou pela floresta, o do céu e suas estrelas é infinito, tornando ainda mais profunda essa conexão, pois ela remete ao passado das estrelas que não mais existem, porém seu brilho segue vivo entre nós, ou ao futuro daquelas que sequer enxergamos ou cuja luz ainda não chegou até a nossa visão. O fato é que o céu da noite estrelada não possui limites e representa a intensa e constante ligação entre o passado, o presente e o futuro, e isso, aliado à sua “mera” beleza pura e simples é absurdamente maravilhoso.

Quanto ao seu segundo aspecto, o da sapiência divina, este é ainda mais profundo. Um céu estrelado nos apresenta luz em um contexto de escuridão. Não apenas uma, mas bilhões, zilhões de luzes, tal como ocorre na vida real. Esses brilhos são a esperança em meio à incerteza, esperança que é representada por diversas oportunidades existentes e que se encontram ali, na nossa frente, ou, melhor dizendo, sobre nossas cabeças, cabendo-nos apenas erguê-las para enxergá-las.

Além disso, um céu estrelado ilustra nossa incapacidade de ter total controle sobre nossas vidas, afinal, não nos é possível contar todas as estrelas e astros brilhantes, nem prever seus movimentos, tampouco saber, com certeza, quantos, exatamente, ainda vivem ou não passam de um brilho póstumo. Objetivamente, assim como o céu estrelado nos revela, não sabemos exatamente como muitas coisas em nossa jornada começarão, tampouco como terminarão. Entretanto, tal qual o universo e a beleza que o domo negro e suas estrelas nos mostram, temos a ciência da infinitude, por um lado, e da finitude e da morte, por outro.

Um céu estrelado nos mostra, ainda, a criatividade transmitida pelas constelações e da possibilidade de, por meio da nossa capacidade, criarmos outras, ligarmos pontos distintos entre si e fazermos novas e improváveis relações, afinal, uma vez que há tantos pontos no céu, tantos pontos brilhantes, por que não conectá-los? Por que a relação deve ser apenas aquela proposta originalmente? O céu estrelado nos ensina, em suma, a infinitude de nossa capacidade criativa, e, por conseguinte, nos estimula a sempre superarmos nossas dificuldades.

A infinitude do universo explicitada pelo espetáculo de um céu estrelado nos mostra o quão pequenos e insignificantes somos, dando-nos uma lição diária de humildade. Assim como há momentos na vida em que nos sentimos o cocô do cavalo do bandido, há aqueles em que somos tentados a nos convencermos de que somos deuses ou, pensando de uma maneira mais “racional”, nobres intocáveis ou, ainda, celebridades, “influencers” relevantes ou algo do tipo. Porém, antes de darmos ouvidos a eventuais ondas de bajulações exteriores ou à enganação de algum “espelho meu”, nada mais salutar do que olhar para o céu de uma noite estrelada e perceber que não somos nada além de pó de estrelas, e que nossa finitude, tamanho e influência cósmica é tão nulo quanto o da formiga que é esmagada por nós enquanto olhamos para o alto. Claro, esse exercício não visa à redução de nosso ego ao pó, mas ao reconhecimento de que tudo o que somos jamais será relevante sob o ponto de vista do cosmo emoldurado sobre nossas cabeças. Assim, um céu estrelado “nos coloca em nosso devido lugar”, permitindo-nos olhar para as nossas vidas de forma mais realista e simples, valorizando nossas virtudes sem que isso signifique ofuscar o universo ao nosso redor.

Finalmente, e é evidente que tal reflexão não precisa terminar aqui, um céu estrelado nos revela o poder de Deus e, por conseguinte, a infinitude de tal poder. Ao orarmos a Deus pedindo algo, nossa fé pura e simples tem como fonte a própria certeza da existência de Deus, mas ela é reforçada por testemunhos de seu agir, do mais simples ao mais complexo e literalmente milagroso. Entretanto, há testemunho maior do que o próprio universo, do que a própria criação do universo, do que cada estrela pulsante em uma noite desprovida de nuvens? A grandiosidade e a infinitude do universo mostram a grandiosidade e a infinitude do poder de Deus, e nos lembra de que, se Ele foi capaz de criar as estrelas que iluminam nossas noites, do que Ele não poderá ser capaz? Claro que nem sempre nossas orações são atendidas, mas isso é da vontade de Deus, assim como foi criar e nomear cada estrela e de permitir que nosso planeta se situasse a uma distância perfeita do Sol ao ponto de aqui haver vida abundante, o que não ocorre em nenhum outro planeta de nosso sistema solar. Ele quis que aqui houvesse vida, e não nos outros lugares. Faz parte. De qualquer forma, o que quero destacar é que o céu estrelado nos lembra de que, para Deus, nada é impossível. Nem mesmo a total criação do universo.

Por outro lado, um céu sem estrelas é o oposto de tudo o que escrevi nesse texto. Sua escuridão bruta e carregada não traz nenhuma beleza, mas apenas o nada das trevas e sua incerteza. Em termos de sapiência divina, ele a esconde, impedindo-nos de enxergar nossa pequenez, mantendo nossa ilusão acerca de nossa falsa magnanimidade. Também nos oculta as possibilidades e esperanças da vida e não nos oferece margem para desenvolvermos nossa criatividade. Ademais, deixa de ser capaz de fortalecer nossa fé, pois a observância em tempo real do maior milagre de todos, o universo, é bloqueado por uma massa de nuvens. Um céu sem estrelas, enfim, representa o nada, as trevas, a desesperança, a ausência de possibilidades, a venda em nossos olhos e a manutenção de nossas ilusões.

Deus falou conosco diretamente e também por meio de profetas, por meio de anjos, por meio de seu Filho Jesus (este, na verdade, o próprio Deus). Contudo, não podemos deixar de reconhecer que Ele também sempre falou, fala e falará através da própria natureza, e isso inclui, evidentemente, aquela representada por uma noite de céu estrelado. Há, nela, incomparável beleza e sabedoria, e quando a contemplamos nos damos a chance de nos tornarmos pessoas melhores, mais humildes, esperançosas, criativas e dotadas de uma fé cujo combustível é inesgotável e infinito. Enfim, uma noite de céu estrelado nos apresenta um horizonte belo e iluminado. Basta-nos estar de coração aberto e mente limpa para percebermos isso.

* Imagem: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Espaco/noticia/2014/10/conheca-10-melhores-cidades-para-observar-estrelas.html

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