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O OLÍMPICO E EU - CAPÍTULO 2: O GOLEIRO FRAQUINHO E A BANDEIRA GUERREIRA

A tarde de sábado do dia 04/09/1993 estava ensolarada, e o céu parecia ainda mais azul do que o normal, ao menos para mim, afinal, depois de "incontáveis anos" (três ou quatro, mas que, para alguém com menos de oito anos de idade, representam metade de uma vida), eu voltaria ao estádio Olímpico para torcer pelo Grêmio.

Minha primeira ida ao campo do Tricolor dos Pampas fora num já mencionado confronto contra o Flamengo. Naquela ocasião fomos apenas eu e meu pai, mas desta vez a família toda estava completa, pois meu irmão caçula Henrique e minha mãe foram conosco. Havíamos ido almoçar na casa de uma senhora amiga nossa, a querida Dona Alzira e, depois de comermos o incomparável arroz-com-feijão acompanhado de uma estupenda carne de panela (de ferro!) preparado pelo Seu Hugo, companheiro da Dona Alzira, fomos ao templo do Grêmio.

Antes de ingressarmos, havia um ambulante vendendo bandeiras. Compramos duas e, pasmem, suas hastes eram de madeira! Digo isso porque, atualmente, vendem-se apenas as bandeiras, sem nada, ou, se há haste, ela é de plástico. Engraçado que, quando penso nisso, só posso concluir que a minha geração avacalhou certas coisas, afinal, por mais de quarenta anos venderam-se bandeiras em hastes de madeira e todos conseguiam se comportar. Vinte anos depois, encher um balão já pode representar riscos para o povo ao nosso redor.

Reflexões a parte, desta vez eu e minha família pudemos assistir à partida inteira sentados. Não estávamos nas cadeiras, mas nos bancos da social, no tempo longínquo em que era disponibilizado ingresso para acompanhante de sócio.

Considero esse jogo especial porque foi o primeiro, e um dos poucos, em que toda a minha família foi, junto, ao Olímpico. Talvez tenha sido a primeira vez em que todos compartilhamos opiniões sobre a partida. Digo, meu irmão nada falou, claro, afinal, ele tinha ainda quatro anos de idade e cochilou no colo da minha mãe durante boa parte da partida. A partida foi difícil e lembro que o Fluminense, o adversário do dia, saiu na frente. O Grêmio virou e, no final, venceu por 3x2. Recordo-me da minha mãe tecendo críticas ao nosso jovem goleiro, aparentemente inseguro. "Hmm... fraquinho esse goleiro, né amor?", falava ela.

E quem era o "goleiro fraquinho"? Não sei, exatamente, se ele fazia a sua estreia entre os profissionais naquele jogo específico, mas tenho certeza de que era uma de suas primeiras partidas. O tal "goleiro fraquinho" se chamava Danrlei de Deus Hinterholz, e hoje é celebrado como o maior e mais vitorioso arqueiro que já vestiu a camisa n.º 1 do Grêmio. Ele seria titular e líder nas conquistas das três Copas do Brasil, do Campeonato Brasileiro e da Libertadores da América que aguardavam o Grêmio nos anos seguintes.

Aquela tarde também se manteve viva por outro motivo: as bandeiras. As camas nas quais eu e meu irmão dormíamos tinham pequenos furos em suas quinas, nos quais enfiamos as hastes dos estandartes, e ali eles tremularam por dois anos, até que mudamos de casa (e de cama). Uma das bandeiras foi aposentada, e não sei que fim teve. Acho que ela está no fundo de algum baú. A outra foi posta no alto da casinha da árvore do meu quintal, onde permaneceu até que o tecido semi-rígido do qual ela era composta se rasgasse por completo.

Tal bandeira foi mais significativa do que parece. Coincidência ou não, enquanto ela tremulava o Grêmio patrolava e vivia a melhor fase da sua História. Ela se rasgou completamente no final de 1997 e, desde então, apesar do título da Copa do Brasil de 2001, o Grêmio é uma instabilidade só.

Incrível como uma mera partida de futebol, perdida em meio ao calendário esportivo de um ano qualquer, mesmo sem ter sido decisiva, pode marcar alguém, ainda mais uma criança. E fantástico o poder emanado por uma simples bandeira, capaz de presentear com gloriosos títulos um clube, e até de tornar um "goleiro fraquinho" em um dos maiores heróis da História do Grêmio.

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