Ontem,
Marina Silva anunciou que a sua Rede Sustentabilidade (ou simplesmente “Rede”)
conseguiu atingir a meta de mais de 500 mil assinaturas que permitirá a
transformação deste coletivo em partido político. Trata-se de uma grande
notícia, afinal, trata-se do resultado de uma mobilização realmente democrática
e participativa movimentada pelos simpatizantes da ex-Ministra do Meio Ambiente,
sob sua liderança. Apesar de admitida a possibilidade de que até 40% dessas
assinaturas sejam indeferidas, pois incompletas, é provável que, até outubro, o
feto de partido consiga mais 300 ou 400 mil filiados e, então, vá à luz.
Não ponho a
mão no fogo por político algum, mas também não sou estúpido ao ponto de dizer
que todos são corruptos e/ou incompetentes. Vivemos em um imperfeito sistema
democrático, e, como dizia Winston Churchill, “a democracia é a pior forma de
governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em
tempos”. Assim, mesmo que a maioria dos políticos não seja de confiança, é
preciso acreditar que, aqui e ali, vez que outra, haverá algum decente, ou,
pelo menos, que represente uma bandeira justa e sem ignorâncias. Quando digo
“bandeira justa”, estou falando de algo que beneficie o bem-comum, e isso não
significa apenas “distribuição de renda” ou coisas do gênero, mas o que pode
melhorar a vida de todos. Alguns se beneficiam mais com determinadas medidas do
que outros, mas, no resultado final da equação, se verá que todos saíram, em um
ou outro nível, ganhando. Do mesmo modo, quando falo em bandeira sem
ignorâncias, quero dizer que não se deve fechar os olhos e usar todos os meios
para se atingir um objetivo. É preciso respeitar as diferenças e instâncias.
Caso contrário, o que resta é a violência.
Marina
Silva representa uma bandeira justa e sem ignorâncias. É possível que eu me
arrependa dessas minhas palavras no futuro, mas no momento escrevo com a caneta
da esperança. Não coloco a mão no fogo pela ex-senadora acreana, mas acredito
que ela possa fazer a diferença no cenário de leniência e fisiologismo político
atual. A ideia de sustentabilidade defendida por Marina é muito mais objetiva e
“sem romantismos” que aquelas apresentadas pelo Partido Verde, por exemplo,
durante tanto tempo. Lembro-me, por exemplo, do programa de televisão que
divulgava a candidatura de Nelson Vasconcelos à prefeitura de Porto Alegre, no
ano 2000, com uma menina vestida de fada, pulando e cantando num bosque. No
final, o PV não assumiu o protagonismo que sua causa sempre mereceu, e isso por
razões diversas, em especial, pelo seu fisiologismo. O que Marina faz é vestir
a camiseta e dizer que a bandeira que tremula deve ser prioridade e liderar
todas as outras. Ela não declara guerra ao capitalismo ou ao socialismo, mas
também não fica em cima do muro como um PSD, partido assumidamente “sem ideal”.
A líder da Rede entende que o modo como se tem buscado o crescimento econômico
e o próprio desenvolvimento social não leva em conta, de maneira objetiva,
preocupações de fato ambientais, as quais, no final das contas, são vistas como
“encarecedoras”. Ela não quer brecar investimentos com base na ignorância ou
repúdio às classes ricas, nem acha que questões como segurança, distribuição de
renda e acesso à saúde e à educação devem ser deixadas em segundo plano, mas
propõe que nada tem sentido se não houver a preocupação com as futuras gerações
e, o que é ainda mais interessante, não houver a consciência de que vivemos em
rede, ou seja, estamos todos conectados entre nós e com o meio ambiente, e tudo
o que produzimos e investimos deve levar em conta isso, tanto no aspecto
econômico quanto no social.
Marina
também é admirável com as palavras. Quase sempre quando concede entrevistas
longas, ela é perguntada sobre os seguintes temas: drogas, aborto, e casamento
civil entre homossexuais. Conhecedores da confissão de fé cristã da antiga
Ministra, os entrevistadores usam esses temas para testá-la e ver como fica a
sua flexibilidade política diante dos desafios cruciais que lhe são
apresentados e que não se relacionam, diretamente, com a sustentabilidade. Ela
dá a sua opinião: é contra o aborto e a descriminalização das drogas (como a
maconha), e “não é favorável” ao casamento gay. Independentemente da raiz de
suas convicções, Marina é uma estadista nata e sabe que um Estado não é
composto apenas por Governo (e sua vontade) e Território, mas também pelo povo.
Assim, ela defende a realização de plebiscitos para que haja a manifestação dos
brasileiros sobre tais temáticas. Ela não fica em cima do muro nem impõe suas
ideias de maneira fundamentalista nesses tópicos: dá o seu ponto de vista e
ainda abre uma alternativa para que, ao mesmo tempo, não atue de maneira tão
objetivamente oposta às suas convicções, e haja a possibilidade de direitos
serem democraticamente alcançados.
A
experiência de Marina, que foi Senadora e Ministra, demonstra que ela é, sim,
capaz de encarar o desafio da Presidência, ao contrário do que dizem os
sabotadores de plantão. Muitos falam que ela é radical, principalmente no que
tange às questões de meio ambiente, mas o que a antiga professora de História
defende é uma mudança de postura na maneira como o tema é tratado no país,
sempre em detrimento de um suposto desenvolvimento econômico o qual, vale
lembrar, pode ser atingido por outros caminhos que não sejam pela destruição
ambiental, desmatamento e diminuição da biodiversidade. Enfim, ela tem uma
bandeira que, diferentemente de outras, é contemporânea e perene. Aliado a
isso, Marina tem carisma, liderança, é articulada e cresceu na pobreza, o que a
aproxima do povo brasileiro. Ela não declara guerra aos ricos ou à “classe
média” (tão odiada por alguns), nem ignora os pobres, mas chama para o mesmo
barco todos os que têm os seus mesmos objetivos. O que se vê, em Marina, não é
um projeto de domínio e imposição de grupos econômicos, nem de um partido ou uma
classe, mas a vontade de fazer a diferença e mudar os rumos do país para um
lugar em que exista o amanhã, com a certeza de que haverá o depois-de-amanhã e
assim sucessivamente. Alguns diriam que ela é ingênua, e se é possível ser
eleito dessa forma, governar, nem pensar.
Marina
Silva não será eleita. Não adianta manter essa esperança, ao menos no atual
cenário. Apesar de todas as suas qualidades e convicções, ela não tem a mínima
chance. É provável que atinja uma marca superior à do último pleito, mas subir
a rampa de Brasília, nem pensar. Dias atrás ouvi no programa “Gaúcha Atualidade”,
da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, que aqueles que votam em Marina sabem em quem
(e pelo quê) estão votando, ou seja, embarcam nas suas virtudes e naquilo que
ela objetivamente defende. Não é um mero voto “de oposição”, tampouco “de
protesto”. É um voto com convicção, sem a certeza de que ela governará bem e
atingirá seus objetivos, mas com a plena consciência de que vale a pena correr
o risco. No entanto, essa turma de eleitores, e eu me incluo nela, não é
suficiente para garantir à política que coloque a faixa verde-amarela no peito,
e mesmo se fosse, não lhe garantiria a tal “governabilidade”. É preciso, e isso
é uma das “chagas necessárias” da democracia (Churchill que o diria),
articulação com outros partidos e líderes, e aí entra o grande inimigo do verde-esperança:
o orgulho cinza.
A atual
presidente, Dilma Rousseff, é favoritíssima à reeleição. O aparato do governo
ainda lhe dá uma força incomparável com sua exposição diária na mídia. Além
disso, alguns feitos do Partido dos Trabalhadores, como os programas bolsa-família,
Minha Casa Minha Vida e PROUNI, além da criação de cargos públicos e das cotas
raciais e indígenas, praticamente alimentam a ideia de “gratidão” dos seus
respectivos beneficiados em relação ao governo. Aécio Neves surge como “o
opositor”, aquele que representa os aspectos positivos e amadurecidos da “Era
FHC”, a qual trouxe ao Brasil estabilidade econômica e condições para o
crescimento e desenvolvimento do país, introduzindo-o em uma era de sociedade e
mercados globalizados que, no final das contas, trouxeram benefícios ao país.
Além deles, há Eduardo Campos, do PSB e seu jeito “moderno” de governar.
Confesso que, sendo do Sul, conheço pouco do sr. Eduardo, mas sei que o PSB
ainda é aliado do PT no governo, e não consigo compreender que tipo de oposição
Eduardo faria, ainda mais considerando as bandeiras do seu partido. Em recente
pesquisa do DATAFOLHA, Dilma aparece na liderança da pesquisa, com 51% das intenções
de voto. Marina vem logo atrás (16%), seguida por Aécio (14%) e Campos (6%). O
interessante é a perspectiva desenhada se não houvesse Campo para atrapalhar:
Dilma ficaria com 34%, Marina com 29% e Aécio, 19%. Podemos tirar algumas
conclusões disso, e então vocês entenderão o que quero dizer com “orgulho cinza”
que atrapalha o “verde-esperança”.
Aécio Neves
é a oposição de fato. Três presidências petistas depois e os tucanos enfim
compreenderam que seria preciso agir com mais dureza para mostrarem que não
faziam parte da festa fisiológica do governo (embora tenham descartado qualquer
tipo de bandeira na era FHC, que, na época, disse aos seus críticos que
esquecessem o que escrevera como sociólogo pesquisador). Assumiram de vez suas
bandeiras liberais, como as privatizações, sem medo de levar tomatadas, e hoje aproveitam
a crise econômica para mostrar que Lula e Dilma detonaram as bases criadas nos
oito anos de liderança de Fernand Henrique. O PSDB é o único partido que tem
condições de fazer frente ao PT, mas Aécio é o problema. Apesar de bem falado
em Minas Gerais e de representar a boa e moderna gestão governamental, Aécio
Neves não tem carisma junto às camadas mais simples, e nunca terá. Creio que, dos
que votariam nele, metade o faria por ser “anti-PT”, enquanto a outra metade
faria por acreditar nas suas propostas que, com certeza, não seriam inovadoras.
Mesmo assim, o número de eleitores que Aécio agregará será considerável, e é provável,
quase certo, que ultrapasse o de Marina, mas sem chances de levá-lo ao
Planalto. E aí é que entra o tal “orgulho cinza”: Marina reúne as ideias
inovadoras, carisma e a comprovada competência; Aécio, a força da oposição e,
claro, sua boa experiência liderando Minas Gerais. Sua união representaria a
possibilidade de levar Marina Silva à presidência, e com um apoio garantido. Entenderam
aonde quero chegar?
O problema
é o orgulho. Aécio jamais abriria mão da presidência. Marina talvez topasse ter
o apoio de um PSDB, mas jamais de um DEM, por exemplo. E mais: para ter um
apoio como o dos tucanos, eles deveriam abraçar a bandeira de Marina, ou seja,
a sustentabilidade em primeiro lugar, e isso envolve, por exemplo, rejeitar
veementemente o apoio à indústria e ao uso de agrotóxicos. Será que o partido
de Aécio abriria mão do apoio político de tão abastada e influente classe
econômica? E dos grandes e desmatadores produtores rurais? O PSDB enfrentaria
esse desafio? O ganho aos tucanos, a médio e longo prazo, é que eles, cobertos
pela bandeira do desenvolvimento sustentável, se renovariam e poderiam crescer
pelo Brasil, ganhando novos apoiadores. O melhor de tudo, mesmo assim, é que
Marina Silva conseguiria governar e, então, arregaçar as mangas para transformar,
positivamente, o Brasil, encaminhando-o para um rumo corajoso, sustentável e
inovador.
Marina
Silva é a melhor opção para o Brasil, mas precisa de um apoio pesado para
chegar ao poder. Ela não venderá sua alma para que isso aconteça, e não
acredito que Aécio e os tucanos “se converterão”. Assim, o que se vê é que
possíveis interesses político-econômicos e, evidentemente, o orgulho e a
vaidade pessoal de Aécio Neves inviabilizariam essa união que teria grandes
possibilidades de ser exitosa. Aécio de vice? E de Marina? Acorda, Renan. E o
Brasil, dopado por cinzentos orgulhos e interesses pessoais, seguirá adormecido.
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