Hoje, 18/06, o Brasil amanheceu de ressaca como há muito não
acontecia. No dia de ontem (17/06/2013), mais de 250 mil pessoas saíram pelas
ruas das principais cidades brasileiras para protestar. Os estopins para as
grandes mobilizações foram os aumentos dos valores das passagens de ônibus de
diversas Capitais, e o cenário perfeito, no que toca à visibilidade
internacional à insatisfação geral do brasileiro ante tantas questões, é a
realização da Copa das Confederações, da FIFA. A grande maioria dos
manifestantes tremulavam suas bandeiras e gritavam palavras de ordem
pacificamente, mas, em quase todos os lugares em que houve mobilizações, havia
grupos de desordeiros que destruíam o que havia no caminho. Muitos analistas,
hoje, de tantas avaliações que fazem sobre tais acontecimentos, têm destacado a
fragmentação das causas, a ausência de um objetivo concreto. No entanto, eles
não percebem que isso é reflexo da democracia e suas variadas insatisfações e
pleitos.
Não vou
entrar no mérito dos vândalos. Eles têm de ser identificados e punidos. Eram
minoria, embora talvez uma minoria não tão pequena assim, mas não merecem a atenção
que estão recebendo, e sim a responsabilização pelos seus atos. A imprensa
acaba falando pouco, quase nada, acerca das bandeiras que os movimentos
levantam. No máximo, mencionam algo, mas não comentam e nem parecem dispostos a
refletir, objetivamente, sobre elas. É engraçado observar que o caos, o choque
e a destruição sempre acabam predominando em relação às ideias e à participação
popular. Lembro-me que participei de um grande protesto, ano passado, no Rio de
Janeiro, na época da Rio+20, com quase 100 mil pessoas, mas o que mais chamou a atenção da mídia foram meia dúzia de manifestantes nus. Hoje, ninguém lembra
contra o que, objetivamente, aqueles peladões protestavam, mas muitos se
recordam deles recebendo inúmeros flashes na Avenida Rio Branco.
Cabe voltar
ao foco desta postagem: as causas. Um Estado verdadeiramente democrático abre
espaço para que todos se expressem e defendam seus pontos de vista sobre os
assuntos que lhe tocam. Ora os professores fazem passeatas por melhores
salários; ora os servidores de outra classe realizam o mesmo; vez que outra há
manifestações contra determinadas medidas que fragilizam o meio ambiente; a
saúde e a necessidade por mais segurança também entram na pauta; e assim por
diante. No entanto, o que aconteceu ontem foi um estopim, comum a quase todas
as cidades brasileiras: o aumento do preço das passagens dos ônibus de linha
municipais. No caso de Porto Alegre, onde, em março, ocorreram os primeiros
protestos em relação ao tema (nesse ano), a elevação do valor, que há tempos
era de cinco em cinco centavos por ano, foi de vinte centavos, numa tacada só.
Nas outras Capitais brasileiras o aumento foi similar e era isso, uma questão
aparentemente pequena e isolada, que virou a “causa” para o que poderíamos
chamar de estouro, o chacoalhar da garrafa de espumante, a gota d’água. O
cenário da Copa das Confederações e toda a sua visibilidade global, bem como os
bilhões de reais concentrados nos novos estádios brasileiros (alguns que
virarão elefantes brancos após a Copa de 2014, como o de Brasília) não poderia
ser melhor para chamar mais atenção e causar mais alvoroço. A causa das
passagens, na verdade, é a centelha necessária para acender a chama, o
incêndio, de muita insatisfação represada. Então, todas aquelas bandeiras mencionadas
acima, desde as mais corporativistas (embora, em alguns casos, justas) até as
mais abrangentes (probidade, saúde, educação, segurança, meio ambiente, emprego,
questões étnicas, religiosas, sexuais etc) vieram à tona. O momento foi (e
ainda é) de gritar contra toda a insatisfação acumulada. O recado aos
políticos, no final das contas, é que eles não têm representado devidamente o
povo, que está no limite de sua passividade.
O que
acontece é que há causas em discussão, e os protestos de ontem e dos últimos
dias, embora tivessem focos difusos, são apenas a ponta do iceberg de tantas
reivindicações. Não se trata do “ser contra” mas de ser “por muitas coisas”. A
tendência é o povo brasileiro aprender a lidar com essa possibilidade dada pelo
Estado Democrático de Direito de ir às ruas, pressionar pelo que acredita e,
aos poucos, concentrar suas reivindicações em alvos mais objetivos, sendo fundamental contar
com a solidariedade de quem não ganhará diretamente com isso, mas que,
obviamente, por fazer parte de uma rede integrada de pessoas, será beneficiado,
em maior ou menor grau. A marcha é dos professores do ensino básico por
melhores salários? Os do ensino privado devem marchar juntos. É dos alunos de
escolas públicas por um ensino decente? Os de particulares devem apoiar. É por melhoras na área ambiental? Todos, e não só as ONGs ambientais, devem se fazer presentes. Isso
porque causas justas precisam de suporte de todos, de modo que sejam capazes de
efetivamente pressionar os governantes e deixarem de ser vistas como um grito “de
alguns”.
Não se deve
confundir “sem-causa” com “muitas causas”. Os protestos dos últimos dias trazem
diversas reivindicações, e refletem a insatisfação geral em relação a muitos setores
da sociedade. Todas as causas defendidas nas manifestações ainda são, enfim,
causas, e devem ser devidamente valorizadas e não ignoradas. É evidente que
atos de vandalismo devem ser tratados como tal, mas o que deve ser destacado,
sempre, é aquilo que levou as multidões às ruas. Agora, cabe àquele que protesta
fazer, também, a sua parte consigo, com o próximo e com o mundo ao seu redor. Sair às ruas e se manifestar é correto e justo, mas, antes de mais nada, é preciso ser coerente. Como disse Renato Russo, durante apresentação no clássico Metropolitan, em 1994: "Para mudar o mundo, antes é preciso mudar a nós mesmos! Ajuda pra caramba sabia??!!".
Mais uma vez conseguiste expressar o que muitos pensam!Parabéns!te amo
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