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COMO CHEGAMOS LÁ?

 


Se você já esteve no Imperial War Museum, de Londres, sabe que nele há um setor todo dedicado ao Holocausto. É assustador. Chamou-me muita atenção uma enorme urna de vidro entupida de sapatos e outros itens pessoais de vítimas daquele terror, inclusive de crianças, e vídeos reais de judeus sendo espancados e humilhados por multidões nas ruas. Apesar de nos acharmos experts em eventos tão exaustivamente narrados em filmes, documentários e livros, não há como não se perturbar quando sentimos de perto o cheiro de morte, ódio e humilhação que de fato aconteceu. Agora, como chegamos lá?

Vejo com tristeza pessoas queridas e próximas chamando de “burros” quem vota em candidatos distintos dos de sua preferência. Alguns postam memes que apontam a inclinação política como um requisito para com elas inclusive manter uma relação de amizade. Outras vão mais longe, acusando de “cúmplices” os eleitores do governante no poder por toda desgraça que há, as quais, evidentemente, decorreriam do tal governante. Qual o próximo passo?

Ora, se o governante amaldiçoado é o demônio encarnado, e se você, como seu eleitor, é cúmplice, então a desconfiança, o desprezo, o ódio e a violência dirigidos ao tal líder também serão voltados contra você. Isso porque você não é visto como um indivíduo, mas como uma raça (os “...istas”), um fruto de uma árvore envenenada. O que fazer com esses frutos se eles não têm utilidade benéfica e só servem para adoecer quem os consome?

Cuidado com as palavras, pois elas têm poder. Elas são inflamáveis. E elas podem não apenas debochar, desprezar e isolar os frutos que você considera envenenados, mas incinerá-los, exterminá-los. Pois da desconfiança vem o desprezo; do desprezo, o ódio; do ódio, a violência; e da violência, a morte. Agora, saiba que o incêndio pode se espalhar por toda a plantação e atingir o seu belo pomar de virtudes. Então, será tarde, e lhe restará contemplar com vergonha o pó da destruição em uma urna de tristeza do passado.


* Imagem: https://museumrevolution.com/five-best-practices-londons-fantastic-imperial-war-museum/

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