Em vez de influencers de
YouTube ou Instagram, até pouco tempo muitos adolescentes almejavam ser
estrelas de rock, tocar em um grande palco para se atirar nos braços da galera
e, no caso dos rapazes, encantar a mulherada. Hoje é Dia do Rock, e dizem que ele
morreu. Talvez, mas é certo que agoniza sob CDs empoeirados, sufocado pela
perda do seu sentido.
Eu tive a minha banda. Ou melhor:
tenho, afinal, como a Guerra da Coreia, ela nunca terminou. Originalmente chamada
de Calamidade Pública, mudamos para Ainda Vivos ao descobrirmos que havia
vários grupos com o primeiro nome, e hoje somos o Farol Inquieto. Foram
diversas formações, mas sempre comigo na bateria e o meu irmão Henrique na voz,
violão e guitarra. Na época mais divertida, quando ainda éramos a “Calamidade”,
lá no início dos anos 2000, criamos o nosso maior hit, o punk rock “Eles
estragam a infância”, uma crítica aos animadores de festas infantis. A escola
cantava em coro, as gurias vibravam, os guris faziam saudáveis rodinhas punk e,
para a inspiração dos poderosos de toga de hoje, chegamos a ter a palavra
“bosta” censurada em um festival, quando a trocamos por “droga”. Mas nosso
sucesso era restrito aos muros do colégio. Fora deles, éramos quase anônimos,
como se mantivéssemos em segredo nossa identidade roqueira. Então, um dia, a
bola quicou para que Clark Kent tirasse os óculos e rasgasse o paletó.
Era fevereiro de 2003. Eu e o Henrique
curtíamos as férias no extinto camping Lago Dourado, em Araranguá, um lugar
aprazível e frequentado por pessoas de todas as idades. Todo ano um tal de
Palhaço Tetê era contratado para “animar” as crianças. Nada contra ele fazer o
seu trabalho, mas era irritante quando tentava ampliar o seu público-alvo sem
ser chamado. Em uma noite, estávamos reunidos com amigos à beira do lago,
tocando violão e conversando quando apareceu o Tetê para fazer um intrometido
showzinho de comédia. Ele nunca havia falado com ninguém dali, mas começou a
debochar da altura de um, da barriga de outro, e ainda teve a audácia de pedir
emprestado o violão do meu irmão para fazer paródias sobre a careca do nosso
pai! As tímidas risadinhas revelavam nossa mera educação. Foi quando olhei para
o Henrique, ele olhou para mim e ficou claro o que deveria ser feito. Rock’n’
roll, man! Rock’n’fucking roll!
Aquela turma não sabia do nosso
segredo, que éramos um “one hit wonder”. Henrique tomou de volta o
violão e tocou a canção, cujos últimos versos sentenciaram: “Eles são
insuportáveis, nenhuma criança gosta. São descartáveis, uma verdadeira bosta.
Animador de festa é um pé no saco, estraga a infância, chato, chato, chato!”. A
gargalhada foi total. Ninguém esperava por aquilo, que uma canção tão perfeita
estivesse engatilhada, pronta para fulminar aquele mala. Apenas Tetê, o
piadista alvo da piada, não riu. Ele se ergueu e disse: “Não gostei”. Deu as
costas e partiu. Nunca mais o vi.
Foi cruel? Um pouco. Mas, na boa, isso
é rock, caramba! É ser um pouco inconsequente e politicamente incorreto para
falar o que pensa a quem merece escutar. Para isso, basta “uma guitarra
vermelha, três acordes e a verdade”. Quer curtidas? Imite uma foca!
* Crônica originalmente publicada no livro "EU, HEIN!?", da coleção "SANTA SEDE: CRÔNICAS DE BOTEQUIM - Vol. 11", (Santa Sede, 2020).
** Imagem: https://www.campograndenews.com.br/lado-b/diversao/medo-de-palhaco-faz-organizadores-mudarem-festa-de-aberracoes-em-bar
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