Enquanto
Raiden, durante todo o clássico filme “Mortal Kombat”, de 1995, dava o ar de
sua graça para injetar um pouco de sabedoria em seus protegidos, Kitana (Talisa
Soto) mostrou a Liu Kang (Robin Shou) que seu leque tem mais do que lâminas
cortantes, mas relevantes ensinamentos. Preparando-o para a luta final contra
Shang Tsung, disse: “Na Torre Negra, você terá três desafios: deve enfrentar
seu inimigo, enfrentar você mesmo, e enfrentar seu maior medo”. Seria assim, na
vida, para nós?
Um
inimigo é facilmente identificável, afinal, é algo ou alguém que não apenas se
opõe a nós, mas aos princípios que nos motivam. Ele pode estar materializado em
uma pessoa ou grupo, mas também pode ser um movimento, uma cultura. A tal correnteza
contra a qual nadamos. Superá-lo é uma necessidade para que possamos prosseguir.
Caso contrário, ou tombaremos ou, na melhor das hipóteses, seguiremos adiante
de forma trôpega, sem condições de alcançamos a vitória. Uma criança vítima de
bullying sabe que o babaca que a atormenta é um inimigo, e que é preciso vencê-lo
de alguma forma. Como? Enfrentando-o, simplesmente? Claro que não.
O
ato de enfrentar um o inimigo não pode ser motivado por um sentimento, apenas. É
preciso, antes, olhar para dentro de si e identificar o que está sendo violado,
o princípio ofendido. Enfrentar a si mesmo, portanto. No caso da vítima de
bullying, ela precisa perceber se aquilo que a ofende é algo contra o que ela
luta ou para a qual se entrega. No caso de uma criança que luta contra a
obesidade, sua reação terá um fundamento, e a que não está nem aí por comer
demais, outro. Ambas se incomodam por serem chamadas de gordas, mas enquanto aquela
se perturba porque a brincadeira lhe remete ao fracasso de não emagrecer, esta sofre
pela inveja aguçada, típica dos que querem obter algo sem o esforço necessário
para tanto, o que não existiria se ela, sinceramente, não se importasse com
suposta padronização de beleza ou índices de saúde.
Logo,
no exemplo dado, não há dúvidas de que o enfrentamento da primeira levará em
conta o desmerecimento de uma virtude (a perseverança) por parte do ofensor. Assim,
a primeira vítima de bullying, ao encarar seu inimigo, o fará para defender não
apenas a si mesmo, mas, principalmente, a virtude violada, a qual é empunhada
por princípios e valores caros a esse ofendido. A força, a coragem e até a
inteligência da reação terão muito mais chances de sucesso, que poderá vir
mesmo se o bullying prosseguir, uma vez que, ao enfrentar e superar a si mesmo,
talvez sequer seja necessário o tombo do inimigo para que a vitória aconteça em
sua vida. O outro, cuja reação é meramente emocional e defensiva, até poderá
dar cabo ao bullying, mas seu inimigo interior seguirá vivo e lhe atormentando.
Finalmente,
a última lição: enfrentar o seu maior medo. Enfrentar esse medo é estar ciente
de que algo valoroso poderá estar sendo colocado em risco para que algo muito mais importante seja conquistado. Poderemos
ter paz com o mundo exterior se evitarmos todo e qualquer conflito. Porém, essa
paz poderá ser confundida com vergonha, com o fracasso silencioso daquele que
prefere ver o sepultamento dos seus princípios, do sufocamento das virtudes que
valoriza, em troca de uma falsa harmonia, em um jogo desparelho em que o
inimigo não medirá esforços para que sua bandeira tremule nas terras alheias.
Nessa
linha, a vítima de bullying que de fato se incomoda com as ofensas não as terá
superado por simplesmente não reagir ou, aparentemente, não parecer afetada. Ela
apenas se converterá, cada vez mais, naquilo que dizem que ela é, pois não terá
tido coragem suficiente para superar o medo do desconhecido e das consequências
de sua reação.
Enfim,
enfrentar nossos medos é como a decisão de entrar num quarto escuro, afinal,
escuridão remete à incerteza e a temores. Porém, mesmo sem enxergarmos, se
identificarmos com precisão o que se busca superar (o inimigo), e termos o máximo
de consciência a respeito do que nos motiva a ingressar nas trevas do
desconhecido, nossos demais sentidos ficarão mais aguçados e, tateando em meio
ao breu, acharemos o que procuramos e estaremos em guarda, e não paralisados,
caso sejamos surpreendidos por algo ruim.
Mais
uma vez, de um diálogo aparentemente simplório e com cara de ensinamento
barato, conseguimos extrair de Mortal Kombat (1995) uma reflexão profunda sobre
as variadas (e complexas) camadas que existem nas adversidades que se erguem
diante de nós. Todos nós temos fantasmas, inimigos que nos assombram, e identificá-los
e enfrentá-los é preciso, mas só haverá perspectiva de uma flawless victory se compreendermos o que nos motiva a fazê-lo e
superarmos o medo de perdermos, nessa luta, algo que nos seja caro.
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