Pular para o conteúdo principal

MORTAL KOMBAT E OS ALGORITMOS DEVORADORES DE ALMAS

 


No clássico filme Mortal Kombat, de 1995, Liu Kang (Robin Shou), em sua luta final contra Shang Tsung (Cary-Hiroyuki Tagawa), ouve do feiticeiro: “Eu posso ver dentro de sua alma. Você vai morrer!”. Ao que o herói responde: “Você pode ver dentro da minha alma, mas não é o seu dono!”. Pois esse breve diálogo entre rounds do derradeiro confronto é mais profundo do que parece.

 Alma é o nosso caráter bruto, o que nos torna o que somos. Não são nossos nomes, endereços, conquistas, dinheiro, poderes, profissões, inclinações políticas. Porém, seria possível ver dentro da alma de alguém? Pois não seria isso o que os algoritmos fazem no meio tecnológico, por exemplo?

 No filme, Shang Tsung diz que via dentro da alma de Liu Kang que ele morreria. Ele não o faz, porém, com base em uma suposta premonição, mas a partir da percepção verossímil de que seu oponente temia fracassar. Acontece que o medo da derrota é bem diferente da própria derrota, e o vilão sabe disso. Por isso ele tenta incutir no oponente um sentimento de fracasso. Como um algoritmo, ele busca convencer o herói de que o que lhe reserva é aquilo que lhe é sugerido.

 Isso é bem diferente de ser dono da alma, do caráter de alguém. Um dono é o que tem domínio sobre algo, poder, enfim, é aquele que será o senhor dos seus caminhos. Os algoritmos até podem nos sugerir escolhas a partir da forma como agimos, mas ainda não têm o poder de escolher por nós. Além disso, e refletindo de maneira paradoxalmente perfeita a mente humana, suas próprias sugestões são deturpadas a partir de preconceitos ou segundas intenções neles programadas, visando conduzir nossas atitudes.

 É assustador como a inteligência artificial com a qual nos deparamos de fato acerta ao nos sugerir muitas coisas. No entanto, ela também não apenas erra como claramente tenta nos convencer de que somos ou gostamos de algo distinto daquilo que está em nossos corações, levando-nos aonde não desejaríamos ir. Se nos entregarmos, vestiremos a máscara de um caráter falso e perderemos a essência do que somos. Porém, não precisa ser assim. Nenhum homem ou máquina é dono de nossas almas. Ainda temos livre arbítrio. Sempre tivemos.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

TIA NOECI, HENRIQUE E EU

  Enquanto eu e o Henrique almoçávamos assistindo ao Chaves e ao Chapolin, lá estavas tu, convencendo o meu irmão a, para a comida, dizer “sim”, antes que eu desse cabo aos restos a serem deixados por ele que, diante de uma colher de arroz e feijão, insistia em falar “não”. Enquanto eu e o Henrique estávamos na escola, durante a manhã, na época do Mãe de Deus, tu arrumavas a bagunça do nosso quarto, preparando-o para ser desarrumado outra vez. Então, quando desembarcávamos da Kombi do Ademir, tu, não sem antes sorrir, nos recebias cheia de carinho e atenção, e dava aquele abraço caloroso que transmitia o que havia no teu coração. Enquanto eu e o Henrique, em tenra idade escolar, tínhamos dificuldades nos deveres de casa, tu estavas lá, nos ajudando a ler, escrever e contar, pois, embora a humildade seja tua maior virtude, ela era muito menor do que tua doação. Sabias que, em breve, não mais conseguirias fazê-lo, mas, até lá, com zelo, estenderias tuas mãos. Enquanto eu e o Henri...

O ÚLTIMO DIA DA MINHA INFÂNCIA

  Eu olhava para eles, e eles, para mim. Não sorriam, mas também não choravam. Apenas aguardavam, resignadamente, pela minha decisão. Estavam todos ali, amontoados no armário cujas portas, naquele momento, eram mantidas abertas. Encarando-os, via-me dividido, pois persistia, em mim, uma certa vontade de dar asas à imaginação e criar mais uma história com meus Comandos em Ação, meu Super-Homem, meu Batman, o Robocop. Porém, paradoxalmente, uma força interior impedia-me de fazê-lo. Sentia-me tímido e desconfortável, mesmo na solidão do meu quarto, onde apenas Deus seria testemunha de mais uma brincadeira . TRRRIIIIMMMM! O chamado estridente do telefone, daqueles clássicos, de discar, quase catapultou meu coração pela boca. De repente, fui abduzido pela realidade e resgatado de meus pensamentos confusos. Atendi. “ Oi, Renan! É o Harry!”, identificou-se meu velho amigo e, na época, também vizinho e parceiro de molecadas na Rua Edgar Luiz Schneider. “ V amos brincar de esconde-e...

O MELHOR PAI DO MUNDO

  “ O melhor pai do mundo é o meu!” Disse ao amigo a criança Que respondeu “ É o meu e não o teu!” E discutiram cada vez mais Sempre exaltando As qualidades Dos seus pais Tinham bons argumentos: Mais forte ou inteligente? Mais prudente ou valente? E assim debatiam Sérios, não sorriam Até que os pais chegaram Um de um lado, o outro, do outro Os filhos para eles correram E cada um lhes disse: “ Você é o melhor pai do mundo”. E os pais sorriram e partiram De mãos dadas com os filhos Afinal, nada mais profundo Do que ouvir aquilo De quem mais importa No mundo. Para não haver dúvidas Escrevo, sem hesitar O melhor pai do mundo é o meu Mas torço para que tu aches A mesma coisa Em relação ao teu. Feliz aniversário, paizão Eu te amo do fundo Do meu coração