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Rancor

Esses dias eu estava pensando no quanto o rancor faz mal. Claro, isso é evidente. Aliás, a maior parte dos livros de auto-ajuda falam disso, Jesus fala disso! Realmente, existem poucos sentimentos que destroem mais do que esse.

O rancor é como se tivéssemos, no lugar do coração, um ouriço, o qual vai destruindo o nosso corpo por dentro, estraçalhando a nossa alma. Suas afiadas extremidades se tornam ainda mais lacerantes quando a lembrança do fato que dera origem a essa doença vem à tona. É terrível: de repente, estamos lá, no passado, revivendo aquela mesma situação, detalhe por detalhe. Após a lembrança dos fatos exatamente como acontecidos (sem contar as deturpações da nossa mente parcial), vêm os questionamentos: "por que não respondi daquele jeito...", "eu deveria ter revidado aquele soco...", "eu não devia ter admitido que aquele chefe falasse assim comigo..."... e por aí vai. Esse "flashback" adaptado às nossas vontades é mais forte do que o mais poderoso dos enérgéticos no quesito "agitar o coração". Mas não de energia física, ou de algo bom; nosso coração ferve de ódio nesses momentos. E assim, perdemos tempo na nossa vida. Perdemos com o quê? Lembrando de algo que passou e não digerimos e, o que é pior, nos esforçamos para não digerir. Ruminamos o passado inconveniente. Isso mesmo. Engolimos, não gostamos do gosto, vomitamos, mas comemos o vômito, tentando encontrar nele outro sabor. Contudo, o sabor é cada vez pior, muito pior do que da primeira vez em que engolimos a desgostosa comida.

A vida não é um moranguinho, como muitos dizem. Ela é uma floresta diversa e cheia de coisas lindas e perigosas. Animais dóceis e companheiros, e feras traiçoeiras e violentas. Frutos saudáveis, e outros venenosos; dias azuis de sol, outros cinzentos de chuva. A infância é a fase do moranguinho, e o que dá cabo nela é quando nos deparamos com a imensa, imprevisível e surpreendente floresta da vida, a qual começamos a conhecer a partir da adolescência. É nessa fase em que florescem muitos rancores, os quais, se não forem trabalhados, influenciarão o resto de nossas vidas. É preciso ter cabeça fria e perceber que a vida sempre terá situações que nos machucarão, mas não podemos torná-las as nossas vidas. O rancor é pior que o ódio: é a sua fase crônica, de dificil tratamento.

Nessas horas, nada melhor do que uma palavrinha do nosso Pai Maior. Jesus diz pra gente amar os nossos inimigos! Isso seria loucura. "Morte para os inimigos!" dizem todos. Mas não Ele. É claro que amar seria demais, um estágio praticamente impossível. Mas a vida surpreende. Se quisermos amar a pessoa que não gostamos, primeiramente deixaremos de detestá-la. E a paz voltará a reinar dentro de nós, e ao nosso redor, de certa forma. Logo, Jesus estava cheio de sabedoria, pois o caminho para o amor envolve outras coisas, mas todas elas, necessariamente, envolvem a paz e começam pelo perdão. E é isso que devemos fazer, ou tentar. Só o fato de tentarmos sinceramente já será um bom exercício para vomitar de vez os maus sentimentos, e esparramá-los no fundo da privada, para que possamos, finalmente, puxar a descarga e mandá-los embora para sempre!

Uma vez, meus pais me disseram que o rancor ocupa um espaço do coração que deveria estar preenchido por amor. Uma constatação tão simples, mas tão significativa. Sempre penso nisso quando, por algum motivo, sinto o gosto amargo de tal sentimento maldito. A que nos leva o rancor? A que nos leva o amor? As respostas dessas perguntas evidenciam o caminho que devemos seguir.


Publicado originalmente em 14/05/2008, no blog RENAÇÕES - renanguimaraes.zip.net - antigo blog do autor.

[Dinda Angela] [angelamggm@gmail.com]
Meu querido afilhado, Que bom seria se todas as pessoas que trazem o rancor no coração tivessem acesso à esse teu texto e dele tirassem proveito, para toda a vida! A felicidade e a compreensaõ ocupariam o lugar hoje ocupado por este "bloqueador de felicidade" chamado rancor. Parabéns, meu querido, continua escrevendo, tua sensibilidade é muito grande para ser desperdiçada!! Parabéns e um grande beijo da Dinda

25/08/2008 04:13

[PAIZÃO] [p.renato@ecotelhado.com.br]
Filhão, tomei a liberdade de copiar tua crônica e colá-la em um e-mail que enviei a toda a familia. Achei o texto bastante significativo e providencial ao momento. Continue colocando no papel tuas opiniões que de grande valia me fazem. Beijo do Paizão

16/05/2008 19:14

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