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Morno na fé? Legalismo sobre o Amor? Uma reflexão

Muitas igrejas e pessoas acabam priorizando, quando pregam ou evangelizam, as “regras”, adotando um discurso que enfatiza muito mais aspectos legalistas do que os relacionados à graça e ao amor de Cristo, sob a justificativa de que as pessoas não podem ter uma fé “morna”, devendo seguir rigidamente as “regras bíblicas”. Assim, não bastaria manter a chama acesa, mas arder, seguindo, “tim-tim por tim-tim”, determinações que seriam sagradas.

Afinal, onde fica a fronteira entre o arder e o morno? Em Apocalipse 3:15-16, Jesus disse:


Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente!

Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.

Isso acaba gerando alguma confusão, como "o que é ser morno?". É aceitar a Cristo, mas seguir numa vida de pecado? E quando se estaria pecando? E quando se estaria fazendo efetivamente a vontade de Deus?

Uma importante questão seria quando discernir entre o "sentir-se bem" e o "agir conforme a vontade de Deus". Agir conforme a vontade de Deus é fazer com que cada passo nosso seja guiado pelo amor de Cristo e aquilo com o qual ele se relaciona; sentir-se bem é agir de um modo que acreditemos ser simplesmente correto. Sendo humanos, é muito mais fácil acharmos que estamos agindo conforme a vontade de Deus quando simplesmente obedecemos a regramentos doutrinários. Logo, nos sentimos bem, satisfeitos e até orgulhosos de estarmos cumprindo aquilo que nos foi "legalmente" determinado. No entanto, a busca por seguir essas regras acaba ofuscando o mais importante, que é a busca e o exercício do amor de Deus, o que o próprio Jesus chama de "primeiro amor". A confusão entre o "sentir-se bem" e o "agir conforme a vontade de Deus" é o que mais gera conflitos e críticas no meio cristão, tanto internas quanto externas.

Tudo seria mais fácil se dependêssemos apenas dos evangelhos, mas Paulo acaba trazendo regramentos que geram confusão na nossa cabeça, em alguns momentos. Regramentos esses que devem ser considerados, é claro, mas sempre observando-se o contexto em que foram escritos, especialmente a quem era dirigida aquela carta e o lugar, e sempre colocando em primeiro plano o amor de Deus em sua essência. Certa vez um pastor me disse que, mesmo no Novo Testamento, existem "verdades relativas" que se conflitam com as "verdades absolutas". As absolutas são as proferidas pelo próprio Jesus, e as relativas seriam aquelas que se conflitariam com as absolutas. Acho que a raiz da maioria dos nossos problemas teológicos que estamos enfrentando está aí, numa certa não-aceitação de que isso existe. Vejo que há uma necessidade de "pingos nos is" que pode levar a consequências não muito boas em termos de entendimento.

O conflito entre "absoluto" e "relativo" não pode ser levado ao pé da letra, ou seja, as coisas que estão na Bíblia são sagradas e todas têm um significado. No entanto, é preciso levar em conta o contexto em que muitos trechos foram escritos. Em todos eles há trechos universais, intertemporais e transcendentais, assim como há aqueles dirigidos aos ouvintes da época. Quando Jesus dava exemplos que tinham escravos como personagens, ele não estava incentivando a escravidão, mas explicava algo de modo que seus contemporâneos logo entendessem, afinal, era uma época de predomínio da escravatura. Do mesmo modo, Paulo, em uma de suas cartas aos Coríntios, diz que as mulheres não devem se manifestar na igreja, devendo manter-se caladas. Mas essa determinação fora dada porque a cidade de Corinto era muito devassa e a religião local era de sacerdotisas que tinham relações sexuais com os seguidores para que esses se purificassem, logo, seria necessário que as mulheres de lá ficassem mais "escondidas" para evitar qualquer relação com a religião a ser derrubada.

Entretanto, em toda a Bíblia existem mensagens que perduram e são unidas pelo fecho do amor de Cristo. E é isso que deve ser levado em conta: as mensagens acerca do amor e tudo com o qual ele estiver relacionado. Quando aceitamos a Cristo com sinceridade, nos transformamos, naturalmente, de dentro para fora, e tendemos a nos tornar mais puros. Consequentemente, passamos a levar uma vida mais tranqüila e correta. O que muitos fazem, no entanto, é enfiar goela abaixo a tal vida correta, mas se esquecendo de enfatizar o amor de Cristo. As pessoas mudarão de verdade a partir do amor de Cristo, o qual é capaz de transformar, e não apenas das regras que aquele se encontra no púlpito ou que simplesmente transmite a Palavra explicita. O próprio Jesus várias vezes deixava isso claro nas inúmeras discussões que tinha com os “doutos” fariseus.

Enfim, o que quero dizer com isso tudo é que aquele que tem a responsabilidade de passar a Palavra ao próximo deve destacar tudo que tenha a ver com o Amor, e nunca priorizar as questões legalistas. Evidentemente, o discurso não pode ser liberal, mas é necessário entender bem tudo o que está na Bíblia sempre à luz dos evangelhos e do amor, e não analisar trechos isolados de seus contextos e daquilo que Jesus disse. Sempre quando fizermos questionamentos acerca de assuntos legalistas, regras etc, é preciso fazer a seguinte pergunta: onde está o amor nisso tudo?


Vale lembrar que a escalada legalista não tem limites, pois o legalista nunca se satisfaz do amor de Deus, mas de regras doutrinárias que muitas vezes não são relevantes. Como o vazio deixado pelo amor nunca é sinceramente preenchido, busca-se ocupar esse espaço com cada vez mais "regras" que, no final das contas, nos fazem esquecer do principal e, pior, alimenta a nossa propensão ao julgamento do próximo. Como já dito, os fariseus da época de Jesus adoravam julgar quem "não piscava o olho conforme a Lei", mas esqueciam do amor de Deus, cujo significado Jesus revelou. A própria igreja, vista de modo amplo desde o seu surgimento, aos poucos foi se humanizando e institucionalizando, enchendo-se de regras e mais regras, deixando, cada vez mais, o amor de lado. Foi graças ao legalismo desenfreado empregado por todas as igrejas cristãs, tanto a Católica como as protestantes, que pessoas morreram queimadas na fogueira! Como isso foi possível?? Simples: a cegueira legalista dominou os cristão, fazendo-os se esquecerem do primeiro amor. Tudo é uma questão de etapas: se as regras vêm antes do amor, o amor deixa de ser a regra, deixando o "entendimento humano" guiar as nossas ações. Assim como tudo de bom vêm na companhia do amor, pouca coisa realmente e sinceramente boa, falando em termos cristãos, poderá vir na companhia de regras sem que haja amor.

Amor. Isso e aquilo que o alimenta e fomenta é o que deve ser levantado nos púlpitos, seja ele em uma igreja, seja ele em um banco de praça ou sofá. Morno na fé não é aquele que não segue a todas as supostas regras, mas aquele que se esquece dos dois mandamentos mais importantes: "amarás o Senhor teu Deus" e "amarás o próximo como a ti mesmo". Em Apocalipse 2:4-5, Jesus diz:


Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor.

Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres.

Lembremo-nos, sempre, do "primeiro amor". Devemos, antes de propagar regras, propagar o amor. A nossa transformação para a melhor é pura consequência da ação desse amor em nós. Como diz C. S. Lewis no encerramento do livro "Cristianismo Puro e Simples", devemos buscar Jesus e, ao encontrá-lo, também encontraremos todas as coisas boas, já que Jesus é Deus e Deus é amor.


Publicado originalmente em 30/09/2009, no blog RENAÇÕES - renanguimaraes.zip.net - antigo blog do autor.

COMENTÁRIOS

[Elias] [eliaswehmuth@gmail.com]
Teria muito para comentar Renan !! Muito mesmo!! Aqui só digo uma coisa: parabéns pela coragem em postar uma temática tão propalada pelos "positivistas de plantão"!!! (Sim! Há também cristãos positivistas!!) Fico intrigado e a cismar: Puxa, como é possível, o próprio Estado de Direito vem percebendo (ou já percebeu, pelo menos os desenvolvidos) que apenas legislar não nos levará a lado algum, então como é possível que filhos de Deus, filhos do Homem que, POR AMOR, entregou a própria vida por nós não percebem isto??? Talvez precisam descobrir o que é AMOR ou AMAR !!! Talvez...talvez...será???????? Hope I am wrong !!! Oremos!!! Forte abraço, Elias.

07/10/2009 18:25

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