Não, essa crônica não trata sobre o filme baseado na obra homônima de José Saramago, mas sobre outra cegueira que me aflige: a dos técnicos de futebol.
3) Muitos treinos são secretos, mas nem todos. Não é possível que o "super bruxo" demonstre suas habilidades espetaculares apenas nos treinos fechados, os quais não podem ser avaliados pelos jornalistas e torcedores. Depois, mesmo que o desempenho desses atletas em treinos fosse incrível, nada justificaria mantê-los depois de vários jogos sem ter havido a respectiva correspondência em campo. Sempre, nesses casos, sou forçado a recordar-me do exemplo do centroavante Adão. No ano 2000, ele foi contratado pelo Grêmio às pressas do Caxias, clube pelo qual, semanas antes, havia sido campeão gaúcho. Em um treino suspeito o centroavante marcou seis gols e a torcida lotou o estádio para assistir à sua estréia. Três rodadas depois, ele já era reserva. Moral da história: "jogo é jogo, treino é treino", como dizia o sábio Didi, o inventor da "folha seca".
4) Se o ângulo pelo qual o treinador vê o jogo fosse justificativa, então os jornalistas que ficam à beira do gramado sempre concordariam com ele, assim como os gandulas e alguns torcedores. Logo, tal possibilidade não tem cabimento.
As próximas possibilidades, no entanto, são plenamente plausíveis. Apresento as justificativas.
5) Todos sabem que esse tipo de relação de afeto é muito comum no futebol. Logo, não haveria motivo para descartar essa possibilidade. Evidentemente, como jogadores e treinadores são pessoas públicas, na hipótese de haver essa "forte relação de afeto" entre eles é necessário que a descrição seja muito grande, quase perfeita, para que ninguém perceba. Essa relação de afeto não precisa ser necessariamente "aquela", mas a de simples, porém fiel e cega, amizade. Uma hipótese bem plausível, portanto.
6 e 7) No mundo e, com mais destaque, no Brasil, a corrupção é tão comum quanto respirar e abrange, infelizmente, todos os círculos sociais e profissionais. Logo, jamais poderemos duvidar de tal possibilidade. Pelo contrário: dentre todas as listadas, essas duas são aquelas que se apresentam com mais força e ajudam a explicar muitas das escolhas sem sentido de treinadores, bem como contratações completamente sem fundamento feitas pelos dirigentes.
Agora, se tivermos que optar entre as hipóteses 6 e a 7, creio que a 6 seja a mais plausível. Um treinador de um grande clube, por exemplo, recebe entre 100 e 200 mil reais, por exemplo. Um dirigente, por sua vez, não recebe nada, pois seu cargo não é remunerado. Agora, convenhamos: ninguém é ingênuo para pensar que um cara dedique 24h do seu dia sem receber sequer um centavo em troca para se incomodar com a vida do clube. Quando digo "vida do clube" estou me referindo ao dia-a-dia de treinos, relação com jogador, busca por jogadores no mercado, viagens, jogos, discussões, questões de dívida, etc. A princípio ninguém ganha nada, mas quem vai se estressar de graça? Depois, que explicação pode haver para a contratação de determinados jogadores ruins e, pior que isso, na insistência na contratação desses jogadores? Assim, o mesmo motivo que leva os dirigentes a contratar esse jogador é aquele que o fará ser sistematicamente escalado, mesmo que suas atuações sejam sofríveis e comprometam o time. O treinador aceita isso porque não quer ser mandado embora (o que não é uma justificativa); outros se recusam a fazê-lo e são mandados embora no primeiro tropeço. Mas é plenamente possível, como aventado na hipótese 7, que o próprio treinador receba o "mensalão" diretamente do jogador ou de seu empresário. Só acho que as chances de coagi-lo a tal são menores pelo fato do treinador ser (bem) remunerado. A hipótese 7, contudo, explicaria bisonhas indicações de "atletas de confiança" feitas pelo treinador.
Conclusão: a hipótese MAIS PROVÁVEL, na minha opinião, é a número 6. A 7 vem logo em seguida e também é perfeitamente plausível. Por último, resta a 5. No entanto, como dito anteriormente, sopesando as três, a hipótese 6 como a mais provável se justifica pelo forte argumento de que os dirigentes oficialmente nada recebem pelo trabalho que fazem, o que, somado ao meio em que se encontram, é um campo fértil para a corrupção, que é parte podre da cultura brasileira, presente em todas as áreas públicas e privadas.
E vocês, o que acham?
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