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Conversas de Elevador

É estranho nós pensarmos naquilo que falamos com estranhos ou pessoas com as quais não temos muita intimidade quando as encontramos. No Brasil, especificamente no mega-universo que é Porto Alegre, as "conversas de elevador" giram em torno de três assuntos: o tempo (no sentido climático da palavra), o tempo (no sentido temporal, mesmo) e futebol. Ah, e de vez em quando uma queixa sobre a vida, incluindo doença, dores e, claro, a "correria".

Falar sobre o tempo, no sentido climático, é coisa típica de gaúcho. Talvez porque tenhamos as quatro estações em um mesmo dia, em várias épocas do ano. O fato é que, ao entrarmos num elevador e encontrarmos aquela pessoa com quem estudamos um mês da vida em um curso de revisão para o vestibular, não temos nada para compartilhar. Mas ela é conhecida nossa, e seria falta de educação nos mantermos calados, ainda mais em uma situação dessas, em que ficamos lado a lado por longos segundos. Assim, falamos: "esquentou, né?", ou, o que é mais adequado: "esse tempo daqui ainda me mata!".

Em uma situação similar, mas na qual não haja nenhum "desconforto" com a temperatura, não é raro um "E aí, como vai a vida?"; a resposta quase sempre invariável: "Ah, correria, trabalho, faculdade...DESCE! anuncia subitamente a ascensorista, e nós nos separamos pelos próximos 10 ou todos os anos.

Futebol também é PAUTA pra toda hora: "E o nosso time, hein?" perguntamos, mesmo sem saber se o time do ex-colega é o mesmo que o nosso. Contudo, pouco importa. A resposta quase sempre será: "Bah, é fogo. Que merda". E isso ocorre independentemente do "nosso" time estar bom ou ruim, porque hoje em dia é vendida uma idéia de que tudo sempre está ruim (o insatisfacionismo), mas isso é outro papo.

Aliás, aproveitando essa questão de insatisfacionismo, não podemos nos esquecer das questões de saúde, não as relevantes, mas as banais. Entramos num elevador e perguntamos, educadamente: "E aí, tudo bem?". A pessoa nos responde: "Não, tô com uma unha encravada no dedão e esse pólen da primavera me ataca a arrinite!". Abre-se a porta do elevador e eis o meu andar!

Enfim, o fato é que não importa se o papo será vazio ou não. O importante é papear, mesmo que seja por alguns míseros andares e da conversa nada se aproveite. Se começarmos a evitar esse tipo de contato, ficaremos cada vez mais frios, ao ponto de, com o tempo, pararmos inclusive de dar "oi" para os conhecidos de pouca (ou quase nenhuma) intimidade, mas ainda assim conhecidos. Uma sociedade não pode ser fria, mas calorosa, e esse calor tende a gerar um povo mais amoroso, sim. A frieza isola, e o isolamento é um egoísmo com o mundo. Portanto, sigamos com o nosso papo de elevador! Ao menos tornamos a nossa sociedade um lugar mais simpático de se viver!

Publicado originalmente em 03/06/2008, no blog RENAÇÕES - renanguimaraes.zip.net - antigo blog do autor.

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