Desde o seu assassinato, há duas linhas de
comentários a respeito do "Caso Marielle Franco": a primeira se refere à pessoa
Marielle, pessoa esta que teria inflado o “ódio da direita”, ao ponto de
representantes de tal linha política não suportarem a existência da vereadora,
razão pela qual a executaram. “Ora, como pode uma mulher negra, homossexual,
feminista, socialista, do PSOL, oriunda do complexo de favelas da Maré, na
cidade do Rio de Janeiro, ter esse destaque?”, pensariam aqueles que a odiavam,
motivando-se, assim, a matá-la. A outra linha de comentário se refere à demora
para a elucidação do caso, e a reflexão envolve o mesmo raciocínio: “Ora, as
investigações só podem estar demorando porque se trata de uma mulher negra, homossexual, feminista, socialista, do
PSOL, oriunda do complexo de favelas da Maré!”. Ambas as linhas de comentários
certamente influenciaram a fase inicial das investigações, as quais se inclinaram para a ideia de
que o crime cometido foi motivado por ódio. Entretanto, ainda que à distância e
sem os autos do inquérito, me parece claro, tendo em vista aquilo que vaza pela
mídia, de que o assassinato teve outras motivações, e estas certamente são
econômicas e, talvez, políticas.
Não quero, nesse meu breve texto, inclinar-me
sobre especificidades do caso, mas gostaria de focar naquilo que o torna
efetivamente especial: uma parlamentar foi assassinada. Não importa se Marielle
era mulher, negra, homossexual, socialista, do PSOL, oriunda da favela,
tampouco as suas bandeiras. Tratava-se, em primeiro lugar, de uma pessoa, um
ser humano que, independentemente das motivações, foi executada injusta e brutalmente.
Em segundo lugar, quando esse ser humano é um parlamentar, vemos todo um
sistema ameaçado. Marielle pode ter sido morta, mas a arma foi apontada contra
toda a sociedade, a ameaça permanece, o medo ecoa. Um assassinato de um eleito
pelo povo, seja ele um parlamentar, seja ele um chefe do executivo (ou um
candidato a tal, como foi o caso de Jair Bolsonaro em setembro do ano passado,
que por pouco não foi morto por um militante do PSOL), é um recado duro e
assustador daqueles que temem perder seu poder, privilégios ou a hegemonia de
uma visão. Uma mensagem de que o “jogo da democracia” só pode ser jogado se
reservados os limites estabelecidos por aqueles que vivem à margem de suas
regras, ou seja, da lei. Tal constatação é assustadora e nos dá a sensação de
que vivemos uma ficção, de que nossas normas são ilusórias, de que esse sistema
que se encontra pútrido não tem solução.
Assim, toda ordem é corrompida a partir do momento
em que não só cidadãos comuns são ameaçados, perseguidos e mortos por
manifestarem determinado posicionamento político ou realizarem ações que acabam
por contrariar interesses, sejam estes legais ou ilegais, mas também, e talvez
principalmente, quando representantes eleitos pelo povo são eliminados. Nesse
último caso, os tiros (e a facada) são contra todas as pessoas e de todas as
visões. A tendência, assim, é que as regras deixem de existir como tal, e o
caçador de hoje vira a caça de amanhã. Ao final, resta a corrupção, o medo e o
sangue.
O "caso Marielle" não é o primeiro e nem será o
último envolvendo o homicídio de um parlamentar. Depois dela tentou-se eliminar
Bolsonaro e, Brasil afora, nos grandes ou pequenos centros, infelizmente sempre
há casos semelhantes registrados pela polícia. A importância do caso da
falecida vereadora está na simbologia, de modo que encontrar seus executores e
mandantes e condená-los à pena merecida significará a vitória da civilização e
do Estado de Direito sobre a barbárie e a ignorância, ainda que seja a vitória de uma mera batalha, uma vez que a guerra pela justiça é eterna.
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