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Mostrando postagens de setembro, 2021

A QUEDA DA NOSSA NÚMENOR

  Ontem falei sobre a história de Númenor, relatada no conto “Akallabêth” (presente em “O Silmarillion”), um arco importante da Segunda Era do universo criado por J. R. R. Tolkien e que antecede as histórias conhecidas pela maioria das pessoas e narradas em “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”. Encerrei com a provocação sobre a presença de Sauron entre nós. Porém, onde estaria a nossa Númenor?   Sauron sabia que o poder do povo de Númenor estava enraizado na memória da virtude plantada em seus corações, simbolizada em Nimloth, a Árvore Branca que reluzia nos pátios do rei, e na fidelidade aos mandamentos dos Valar e, acima de tudo, a Ilúvatar, o único digno de ser cultuado. Enquanto essa chama tremulasse e o brilho da verdade iluminasse os caminhos de seus inimigos, força bélica alguma os derrubaria, afinal, nenhum exército é capaz de fazer sucumbir uma civilização virtuosa, pois sua alma segue de pé mesmo após a queda de seu último homem, disposta a, com seu sopro, tocar os corações de

NÚMENOR E O MAL QUE VEM DE DENTRO

  Poucas séries são mais aguardadas do que a produção de “O Senhor dos Anéis” que vem sendo desenvolvida pela Amazon Prime. Com lançamento previsto para 02/09/2022, a história se passará durante o período classificado por Tolkien como a Segunda Era, e certamente abordará o Reino de Númenor, vulgarmente chamado de a “Atlântida” do criador da Terra-Média.   A história de Númenor, relatada no conto “Akallabêth” (presente em “O Silmarillion”), fala, em resumo, de uma civilização humana não apenas técnica, mas moralmente avançada, erguida após os traumas da grande guerra travada contra Morgoth, o primeiro Senhor do Escuro. Sauron, o braço-direito de Morgoth, após uma série de eventos, em vez de resistir, entregou-se, sendo levado em cativeiro para Númenor, onde, aos poucos, apresentando-se com brilho e beleza, e não em sua bestialidade original, a seduziu e corrompeu, levando-a ao seu colapso.   Como a lenda de Atlântida, a de Númenor trata da submissão do homem ao seu suposto autoconhecime

O PODER ESTÁ DENTRO DE NÓS?

  He-Man, ícone da década de 80, sempre foi alvo de tentativas de “modernização”, e, em 2021, a Netflix trouxe duas delas. Sobre o desserviço de “Mestres do Universo: Salvando Eternia”, posso dizer que é apenas mais uma panfletagem que se revela a cada diálogo e no corpanzil de MMA de Teela, sua verdadeira protagonista. Talvez já prevendo seu fracasso, menos de dois meses depois veio o verdadeiramente novo “He-Man e os Mestres do Universo”, todo em CGI. Aí a coisa muda de figura.   Apresentando um Príncipe Adam e aliados adolescentes, traz uma origem para He-Man, e, embora presentes, os “Poderes de Grayskull” se confundem com alta tecnologia, deixando aquela pulga sobre o que transcenderia a matéria e o que seriam fenômenos simplesmente incompreendidos e manipulados pela engenharia avançadíssima de Eternia. A ideia da série foi legal e criativa, e muito de seu cerne está na origem do poder que turbina não só Adam e Pacato, mas todos os seus amigos. Seria magia ou a tecnologia de seus

BARBÁRVORE E O DIA DA ÁRVORE

  Como sempre, atravessei o dia 21 de setembro sem conferir aquele asterisco no calendário. Ao buscar minha filha na escola, ela, toda empolgada, disse ter desenhado uma árvore, afinal, era o Dia da Árvore. Abri um sorriso de orgulho e, após assistir a uma aula sobre Tolkien, pensei que seria bom falar sobre uma das partes mais chatas, porém profundas, de “O Senhor dos Anéis” (SdA).   Em “As Duas Torres”, o capítulo “Barbárvore” foi a grande barreira em minha jornada pela Terra-Média. Monótono e interminável, fez-me ler duas ou três páginas por dia apenas para cumprir sua travessia. O tempo passou, superei o capítulo e segui adiante. Como Merry e Pippin, amadureci. Não, não mudei de opinião e ainda acho o capítulo muito chato. A diferença é que sua chatice é artisticamente bem construída por Tolkien, ilustrando nossa falta de paciência e a relatividade do tempo. O homem moderno vive em ritmo industrial e quer tudo para ontem. Hoje, então, muito mais do que na época do criador da Terr

ORGULHO DE SER GAÚCHO

  Ontem, 20 de setembro, vimos borbulhar reflexões como “comemorar o quê?”, “a verdade sobre a Revolução Farroupilha”, entre outras. Tudo para macular um dia em que os gaúchos orgulhosamente celebram a nação que os une.   O leitor tem orgulho de sua família? Apesar das diferenças entre seus membros e previsíveis imperfeições, ele provavelmente dirá que sim e que ela é digna de ter sua história e ensinamentos valorizados. Pois um orgulho nacional é a mesma coisa. “Nacional” vem de “nação”, e uma nação é um povo que divide uma história, valores e cultura relativamente comuns. Ou seja, toda nação é, em certa medida, uma grande família, e orgulhar-se dela não é ignorar seus erros, mas valorizar os fundamentos virtuosos compartilhados por quem se identifica como pertencente a ela e a um liame histórico e cultural que conecta o passado ao presente, apontando, com segurança, para o futuro.   Ao cantarmos que, aqui, “tudo que se planta cresce e o que mais floresce é o amor”, apenas contemp

A PORTA PARA A ESCURIDÃO

  Na última sexta-feira, falei sobre Matrix (1999) e toda a sabedoria envolvida na ideia da pílula vermelha. Um ano antes, porém, uma obra-prima que aborda a mesma ideia nos foi dada: “O Show de Truman” (1998).   Estrelada por Jim Carrey, a ficção conta a história de Truman Burbank, um homem que não sabe que tudo ao seu redor é uma simulação, tampouco que é a estrela de um reality show produzido em um mundo cenográfico onde todas as pessoas são atrizes e figurantes, nenhuma amizade é real, mas encenada, e o próprio céu, o sol e lua são artificiais. Após algumas “falhas da produção”, ele passa a buscar a verdade.   No clímax do filme, Truman é encarado pela realidade nua e crua, materializada na voz de Christof (Ed Harris), criador do programa, onde lhe é ofertado seguir naquele mundo perfeito ou rumar ao desconhecido do real. Apesar da notável semelhança entre as jornadas de Neo e Truman, enquanto o primeiro opta pela verdade que literalmente bate à sua porta, encarando, a partir d

O REMÉDIO DE QUE PRECISAMOS

  Enfim sexta-feira e, com ela, uma dica de filme pra fechar a semana. Matrix (1999) pode não ser recente, mas se revela um clássico pela perenidade de sua mensagem. A obra revolucionou a indústria com inovadoras cenas de ação e efeitos especiais, mas o melhor, porém, foi a sua versão para o famoso mito da caverna de Platão, materializado na célebre “pílula vermelha”.   A cena é memorável: Neo (Keanu Reaves), já “arrebatado” pela equipe de Morpheus (Lawrance Fishburne), tem, agora, o direito de escolher: se ingerisse a pílula azul, retomaria sua vida virtual como se apenas despertasse de um sonho; se tomasse a vermelha, aceitaria o desafio de encarar a dura e cruel realidade, ficando no "País das Maravilhas" para descobrir "até onde vai a Toca do Coelho". Alertado de que lhe era oferecida "a verdade, nada mais", ele opta pela vermelha e por empunhar o cajado do real no vale da sombra da morte, em vez do sono aconchegante da cela da falsidade. Esse é o po

FATO X FICÇÃO

  Um dos exercícios mais brochantes após uma obra excitante sobre algo histórico é conferir o que é fato e o que é ficção. É quando descobrimos que o protagonista sequer existiu, que uma traição determinante para os rumos da narração jamais aconteceu, que um romance tampouco chegou perto de ocorrer. E o que dizer de assistir a um filme com um historiador amador ao lado, o tempo todo assoprando notas de rodapé para desmentir o que está sendo exibido à audiência? Toda a experiência vai para o brejo.   Agora, e quando os fatos tornam a ficção menor? Geralmente é o contrário, e a ideia das obras baseadas em fatos reais não é mentir, em si, mas pegar um ou vários eventos interessantes e adaptá-los na forma de uma narração coerente romanceada, ou seja, com um início, meio e fim dramaticamente aceitáveis. Se não houvesse Jack e Rose, Titanic (1997) seria um mero documentário do History Channel, por exemplo.   No último dia 14, escrevi a maior aventura vivida pela minha avó Martha. A histó

DONA MARTHA E OS DOIS LADRÕES

    Era uma tarde como outra qualquer. O sol estava quase se pondo e o bafo do Cafubá seguia soprando, quente como sempre. Dona Martha retirava as roupas do varal em seu pátio quando viu quatro mãos surgirem por trás do muro. Mal suas sobrancelhas franziram, desconfiadas, e dois homens já haviam superado a parede e entrado. Um deles sacou um revólver e anunciou o assalto. Martha deixou as roupas no cesto e ergueu as mãos.   Ela entrou, rendida, seguida pelos dois pilantras. Na sala de estar, a velha Elvira, sentada majestosamente na poltrona que sustentava seus quase 90 anos e quilos, assistia à Escolinha do Professor Raimundo. Ria do Seu Boneco quando foi surpreendida pela filha e dois... Seus Bonecos (?). “É um assalto, velha! Não se mexa!”, anunciou o homem armado. Elvira apenas puxou um pelinho que nascera de seu queixo. Lamentou que os dois pararam na frente da TV bem na hora do “Eu vou pra galeeeera...”, mas logo entendeu que a coisa era séria. O outro bandido, desarmado, falou

REMAKES OU DESMAKES?

  Na última semana, mais um remake de Cinderela foi lançado. Disponível no Amazon Prime, pega o gancho da história clássica, mas a “adapta” aos “tempos atuais”. Ali, a gata borralheira não quer um príncipe encantado, mas ser independente e reconhecida como uma grande estilista, a Fada Madrinha é um homem, mas ainda assim Fada Madrinha, entre outras mudanças. Ah, e Cinderela é latina. Nada de loirinha opressora como mocinha, portanto. Enfim, mais um remake e sua ânsia por “agradar o novo público”.   Jordan Peterson é um grande estudioso de arquétipos. Diferentemente de alegorias, que se tratam, na arte, de verdadeiras propagandas a favor de uma visão, os arquétipos são representações universais de ideias universais e não tão óbvias. Ele defende, por exemplo, que A Bela Adormecida é uma obra recheada de arquétipos fenomenais, e que a adaptação da Disney, feita nos anos 50, apenas a favoreceu. Por outro lado, acusa produções como Frozen de serem alegorias, ou seja, a partir do momento e

LACRADA DE PAPEL E O 11 DE SETEMBRO

  Acabei de assistir à primeira parte da mais recente temporada de “La Casa de Papel”. Uma história legal, com muita ação e personagens excelentes e bem construídos. Porém, o que mais chama atenção na série é a forma como induz, manipula ou, até mesmo, força o público a torcer pelos bandidos, além da lacração ideológica explícita. Isso é tão escrachado que me fez pensar se a ideia era transmitir esses valores ou, justamente, ironizar os valores deturpados com os quais temos nos deparado.   Apesar da qualidade inquestionável da atração, eu não consigo torcer por aqueles ordinários a quem me recuso chamar de mocinhos. São bandidos, ora bolas! A polícia pode ter, e tem, corruptos e indivíduos que passam dos limites e, inclusive, cometem crimes. Agora, toda a desgraça da série, desde incalculáveis prejuízos financeiros ao Poder Público até a restrição da liberdade de inocentes e a exposição de suas vidas só ocorre porque aquele bando de criminosos egocêntricos desprovidos de caráter reso

VOCÊ CONHECE QUEM VOCÊ VÊ?

  Hoje é sexta-feira e nada melhor do que encerrar a semana comendo algo diferente e assistindo a um bom filme. Se uma boa comida satisfaz nosso paladar, um grande filme alimenta nossa alma. Assim, que tempero você procura para o seu espírito? Se a ideia é uma dose de fé com uma pitada de esperança na humanidade, confira Somos Todos Iguais (2017).   Disponível na Netflix, o filme conta a história real de Debbie Hall (Renée Zellweger) que, ao perdoar de um adultério o marido Rob (Greg Kinnear), “convence-o” a ajudá-la em uma ONG que auxilia indigentes. Um deles é o arisco e violento Denver (Djimon Hounsou), então conhecido como “Suicide”, que Debbie percebe ser quem lhe aparecera em um sonho misterioso. Convencida de que deve fazer algo pelo homem, incentiva o esposo a dele se aproximar, uma missão que mudará a vida dos três e de muitas pessoas.   A obra é muito bem feita, iniciando com várias interrogações e apresentando, aos poucos, os personagens e sua essência. Mais do que um recur

O QUE É LIBERDADE?

  Eu tinha 19 anos, recém conhecera minha esposa e o mensalão sequer havia sido descoberto. O mundo era diferente em meados do primeiro semestre de 2005, e seus horizontes, muito mais limitados do que eu poderia imaginar. Então, as coisas começaram a mudar quando li “1984”, de George Orwell.   Trata-se de uma das três melhores distopias já escritas, ao lado de Admirável Mundo Novo e Fahrenheit 451, as quais deveriam, todas, ser lidas e debatidas, ainda na adolescência, em casa e na escola, mas não quero, aqui, resenhar a obra. Meu objetivo é apenas refletir sobre a ideia central do livro, formidavelmente condensada na icônica frase de seu protagonista, Winston Smith: “Liberdade é a liberdade de dizer que dois mais dois são quatro”.   Ou seja, liberdade é poder pensar e DIZER a verdade, a verdade verdadeira, real, lógica, uma verdade que apenas poderá ser encontrada de forma igualmente livre. Observem que propositalmente destaquei o verbo DIZER, pois ele corresponde à água que rega

O SUMO SACERDOTE

  Era uma vez um homem que nasceu para iluminar todos os outros. Era nisso em que seu pai acreditava e, portanto, deu-lhe o nome de Defensor da Espécie Humana e da Moral. Como era muito comprido, chamava-o apenas pelas iniciais, Dehm, e assim ficou conhecido. Um dia, seu pai o fez jurar para ele, e em nome dele, de sua mãe e dos seus antepassados, que o filho deveria fazer jus ao seu nome. Ele jurou, e os juramentos aos pais e não se descumprem.   Ele cresceu, estudou muito, recolheu-se em um mosteiro, raspou a cabeça e não mais permitiu que seus cabelos pesassem sobre a mente e bloqueassem a luz da sabedoria divina que cresceu ouvindo que teria. Escreveu uma obra sábia sobre o mais sagrado livro do seu povo, e muitos não apenas o liam e com ele aprendiam, mas o recomendavam. Virou referência nos mosteiros, nas Ordens de Cavaleiros e no círculo real.   Um dia, o Rei Tofear, admirador do monge Dehm e de sua a sabedoria a respeito do Livro Sagrado, fazendo uso de seus poderes, o nome

PÁTRIA LIVRE

  Quando lançaram o filme “O Patriota”, estrelado por Mel Gibson, minha mente juvenil logo se sentiu incomodada com mais uma propaganda ianque. O tempo passou e, hoje, enxergo aquela grande produção artística com outros olhos. Olhos maduros e que transcendem explicações simplistas tão facilmente apagadas como o giz do quadro-negro das salas de aula de minha adolescência.   Apesar de criticado pelas inconsistências históricas, o filme, assim como “Coração Valente”, trabalha com a temática do valor da liberdade. A história começa nos eventos que antecedem o início da Revolução Americana. Em assembleia, colonos da Carolina do Sul decidem guerrear contra a Inglaterra pela independência. O personagem de Mel Gibson, o fictício Benjamin Martin, se recusa a lutar e se abstém de votar a favor da causa, pois é pai e não podia se “dar ao luxo de ter princípios”, priorizando os filhos e buscando mantê-los longe da luta.   A abstenção do protagonista não tem qualquer efeito e a guerra é aprovad

O SONO DO MAL*

  Na onda do sucesso de “Os Cavaleiros do Zodíaco”, a Rede Manchete lançou a série Shurato, que nada mais era que uma cópia de CdZ, mas com a temática mitológica hindu. O programa, embora não tenha sido espetacular, trouxe uma preciosa lição em seu último capítulo (Episódio 38).   Tudo parecia perfeito, num clima de “viveram felizes para sempre”. Então, um poder sombrio ressurge: o “soma negro”, que seria a energia negativa emanada pela maldade bruta que haveria em cada ser vivo. Os heróis não entendiam como aquilo estava acontecendo, afinal, a “maldade” havia sido derrotada, o vilão, vencido. Entretanto, a mensagem final da série é que o “soma negro sempre volta”. Será? Por acaso não haverá o ocaso do mal? Shurato, dialogando, aparentemente, com o espírito de Gai, seu melhor amigo no início da série que, depois de convertido em seu  arqui-inimigo, voltou-se novamente para a bondade no final, sacrificando-se para salvar o protagonista, disse ter descoberto que " todas as coisas