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Mostrando postagens de julho, 2021

AVÓS, PEGADAS E ESTÁTUAS

Na última segunda-feira, 26/07, celebrou-se o Dia dos Avós. Fui abençoado por não só ter conhecido, mas convivido com meus dois avós paternos, os dois maternos e, ainda, uma bisavó paterna e uma materna. Poucos são agraciados assim, e posso dizer que aproveitei muito bem os meus velhinhos (e, no caso da minha avó materna, Martha, ainda aproveito, graças a Deus). A exceção foi o meu avô Chico, pai da minha mãe, ironicamente o único que morava em Porto Alegre.  E ra uma pessoa calada, estranha, que parecia um pouco sem jeito com os netos. Quando ia visitá-lo, ele ficava inquieto, andava para todos os lados, se ausentava do recinto e depois voltava, enfim, nunca trocamos palavras diversas de “oi”, “tchau” e “obrigado”. Não tenho lembranças dele me fazendo perguntas ou contando suas aventuras. Tampouco dele tenho histórias, salvo as que minha mãe conta e, mesmo assim, se referem a fatos relacionados com ela e sua igualmente parca convivência com o seu pai, já que minha avó Martha e ele s

EU FALO QUE VOCÊ PODE

    Eu falo que você pode Mas você me diz que não Levante, irmão Recém amanheceu   Você não entendeu Que o tempo cura as feridas Deixando a cicatriz Que ensina ao aprendiz   Ninguém é perfeito Nunca será Mas vale tentar Viva e verá   Que ser o melhor possível É estar certo de que Tudo foi buscado Que se tentou de verdade   Eu falo que você pode Não perca o seu norte Olhe para cima e veja O que o torna forte *Imagem: https://coub.com/view/86l0qie

SAÍ DO GRUPO

Saí do grupo. Sim, enchi o saco, e, orgulhosamente, deixei aquela turma para trás. Alguns, eu conheço desde o jardim de infância; outros, das séries iniciais; e a maioria sempre esteve ao meu lado desde as agruras do Ensino Médio. Mas não dava, não tinha como. Só havia uma maneira de revelar a sua ignorância e superar todos os argumentos: a minha partida.   Os mais antigos, que comigo compartilhavam suas mamadeiras e me convidavam para brincar em suas casas, agora se revelam daquele jeito, se achando, como se soubessem mais do que todos. Há aqueles que nunca faltaram a uma festa de aniversário que organizei e, mesmo assim, acabaram por me presentear com opiniões absurdas. E os que sempre me apoiaram quando mais precisei, agora estão lá, cogitando votar naquele candidato desprezível. É inacreditável. Eles eram pessoas boas.   Não entendo como gente que tanto rira comigo agora parece rir de mim, do que eu penso. E aqueles que enxugaram as minhas lágrimas e oraram ao meu lado, de jo

O LIVRE AINDA PENSA*

  Diga Covid e vacina, mas não ivermectina. Use máscara e não fale hidroxicloroquina. Fique em casa, feche tudo e não vá à escola, mas ouça bem, sempre mudo, não invente história. Saia só se for para protestar, mas depende contra o quê, pra não se contaminar.   O livre ainda pensa. E o que pensa ainda fala.   Não ouse dizer proxalutamida, mas grite alto “presidente genocida”. Faça calor ou faça frio, fuja das “fake news”, do que eu lhe digo que é mentira, ofensivo ou vazio. Não vá à igreja, mas junte em casa as suas mãos, pois não importa comunhão, a não ser em eleição.   Mas o livre ainda pensa. E o que pensa ainda fala.   Guillain-Barré ou pericardite. Trombose ou até a própria covid. Não venha escolher qual vacina receber, nem questione a ciência se você quer viver. Agora, não ouse defender tratamento precoce, muito menos pesquisar se eles trazem melhor sorte. Cogitar isso só pode ser loucura, e se você fizer isso, só lhe restará a censura.   Mas o livre ainda pensa. E o q

A JORNADA DE SANSA

  Já faz mais de dois anos que “Game of Thrones” (GOT), que já foi a série mais popular do planeta, chegou ao seu fim, mas um diálogo entre as personagens Sansa Stark, interpretada pela atriz Sophie Turner, e Sandor Clegane (o “Cão de Caça”, vivido por Rory McCann), ocorrido no quarto episódio da última temporada, gerou muita polêmica na época e até hoje ecoa em minha mente. Na oportunidade, o Cão diz: “ Você mudou, Passarinho. Nada teria acontecido se tivesse fugido de Porto Real comigo. Nada de Mindinho, nada de Ramsay. Nada disso .” Sansa responde: “ Sem Mindinho, Ramsay e o resto, eu teria sido um ‘passarinho’ a vida toda ”.   Contextualizando, e resumindo muito o drama de Sansa na série: ela começou sua jornada como prometida de um rapaz que viria a ser rei e que, ao assumir o trono, se revelou um psicopata; depois, foi forçada a casar, contra a sua vontade, com o tio desse rei, a quem, até então, desprezava; após, fugiu e, mais uma vez, foi manipulada por outro personagem, o ta

CUIDADO COM AS SUAS BASTILHAS

  Na última quarta-feira, 14 de julho, celebrou-se o mais importante feriado da França: a Queda da Bastilha, a fortificada prisão situada em Paris e onde, comumente, eram mantidos os presos políticos. O seu assalto pela população ensandecida deu início à terceira fase da Revolução Francesa e o seu governador, o Marquês de Launay, decapitado. Sua cabeça, espetada em uma lança, foi exibida pelas ruas da Cidade Luz. Muito daquela fúria era de natureza antirreligiosa, o que, aliado à aversão ao rei, poderia ser resumido na célebre frase de Jean Meslier, ecoada intensamente por Voltaire: “ O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre ”.   Uma das mais paradoxais medidas revolucionárias foi a busca por uma refundação total e absoluta do Estado Francês, inclusive com a alteração do calendário cristão para um baseado nos princípios e na nova república que surgia. Uma república laica, evidentemente, apenas a serviço da “razão”. Assim, a célebre Catedral d

É PRECISO MAIS QUE SOBREVIVER*

  Quem espera que a vida só há com imunização, já deve estar maluco, há meses na solidão. Sim, devemos ter cuidado, pois ninguém quer morrer, mas é preciso mais que sobreviver.   Você diz: “fique num cantinho, não saia do lugar. Leia livros, tome vinho, não vá em ninguém encostar. Se há tratamentos precoces, não lhe cabe escolher. Só a vacina faz sobreviver”.   Tudo bem, me arrisco na vacina, da Índia, Rússia ou China, qual sua recomendação? Agora diga de onde veio tornar minha casa uma prisão? De um país fechado e com poder, onde é do jeito do partido, ou o partido dá um jeito em você?   É preciso mais que sobreviver. Veja os passarinhos batendo asas pelo ar. Livres e sem máscaras, voando pra lá e pra cá. E na TV tantos insistem que logo, logo é você, que, se não se cuidar, do vírus vai falecer.   Mas só isso não é viver. É preciso ser livre pra viver, e só há liberdade se ao menos podemos o que pensamos falar. Minha visão pode ser errada, talvez as máscaras devam seguir sendo

O (DES)ANIMADOR DE FESTA

  Em vez de influencers de YouTube ou Instagram, até pouco tempo muitos adolescentes almejavam ser estrelas de rock, tocar em um grande palco para se atirar nos braços da galera e, no caso dos rapazes, encantar a mulherada. Hoje é Dia do Rock, e dizem que ele morreu. Talvez, mas é certo que agoniza sob CDs empoeirados, sufocado pela perda do seu sentido.   Eu tive a minha banda. Ou melhor: tenho, afinal, como a Guerra da Coreia, ela nunca terminou. Originalmente chamada de Calamidade Pública, mudamos para Ainda Vivos ao descobrirmos que havia vários grupos com o primeiro nome, e hoje somos o Farol Inquieto. Foram diversas formações, mas sempre comigo na bateria e o meu irmão Henrique na voz, violão e guitarra. Na época mais divertida, quando ainda éramos a “Calamidade”, lá no início dos anos 2000, criamos o nosso maior hit , o punk rock “Eles estragam a infância”, uma crítica aos animadores de festas infantis. A escola cantava em coro, as gurias vibravam, os guris faziam saudáveis r

FÉ VERDADEIRA

  O ano é 1453. Sitiados, milhares de bizantinos oram a Deus para que Ele os proteja da iminente invasão otomana. Clamam por um milagre, imploram pela prometida fidelidade, invocam sua misericórdia. Mas em vez de os céus se abrirem com o exército de anjos de Cristo, canhões explodem as até então intransponíveis muralhas de Constantinopla, que nunca mais seria uma cidade cristã após o banho de sangue que se seguiu.   Pensar no terror desse evento é uma tentação interessante para questionarmos o poder da fé. Como os pobres bizantinos, todos nós, em todos os dias da vida, das situações mais corriqueiras às mais trágicas, inesperadas e certamente injustas, nos vemos cercados pela desgraça iminente e que, muitas vezes, parece imune às nossas orações. Logo, a pergunta: qual a diferença? Seria a fé inútil?   Esse é um questionamento ardiloso. Isso porque fé não se confunde com desejo e muito menos tem a ver com “toma-lá-dá-cá.” Então, por que deveríamos tê-la? Em primeiro lugar, ter fé en

COMO CHEGAMOS LÁ?

  Se você já esteve no Imperial War Museum, de Londres, sabe que nele há um setor todo dedicado ao Holocausto. É assustador. Chamou-me muita atenção uma enorme urna de vidro entupida de sapatos e outros itens pessoais de vítimas daquele terror, inclusive de crianças, e vídeos reais de judeus sendo espancados e humilhados por multidões nas ruas. Apesar de nos acharmos experts em eventos tão exaustivamente narrados em filmes, documentários e livros, não há como não se perturbar quando sentimos de perto o cheiro de morte, ódio e humilhação que de fato aconteceu. Agora, como chegamos lá? Vejo com tristeza pessoas queridas e próximas chamando de “burros” quem vota em candidatos distintos dos de sua preferência. Alguns postam memes que apontam a inclinação política como um requisito para com elas inclusive manter uma relação de amizade. Outras vão mais longe, acusando de “cúmplices” os eleitores do governante no poder por toda desgraça que há, as quais, evidentemente, decorreriam do tal

O TROTE

  O ano era 2004, segundo semestre de Direito na PUCRS, onde estudei antes da UFRGS. Ainda nos primeiros dias de agosto, fui incentivado a organizar o trote dos nossos “bixos”, um rito de passagem pelo qual não havíamos passado. Fizemos compras, um cronograma de brincadeiras foi montado, e a professora da turma a ser vitimizada nos deu carta branca. E para lá fomos nós, com palavras de ordem que tinham a ver com trote. Eu segurava uma corda de varal para conduzir os calouros ao pátio como se fossem elefantinhos. Alguns colegas levavam tintas e ingredientes de bolo. A diversão seria garantida e as vítimas, presenteadas pelo que não tivemos: a saudável humilhação do trote. Eu liderava a tropa, à frente de uns trinta empolgados colegas, mas quando ingressei na sala, cantando, escutava apenas a minha voz. Estava sozinho. Por algum motivo, meus colegas travaram. Ficaram todos no corredor. De repente, havia apenas eu, a corda de varal e os cerca de cinquenta calouros para quem ainda ou

UMA VIAGEM À IMUNOLÂNDIA

Fazia tempo que não embarcava em um avião. Dessa vez, fui tentar a sorte na nossa Capital Federal, concurso grande, aquela coisa. Ao contrário da ida, a volta teria uma conexão em Guarulhos, e quando há conexão, tudo pode acontecer. Desembarquei às 8 da manhã, e o voo para casa decolaria em 25 minutos. Corri como Forest Gump pelo terminal, respirando o meu próprio bafo, sentindo o excesso de peso e a toxicidade do gás carbônico em minha máscara. Ao chegar ao portão de embarque, a surpresa: o voo estava atrasado pela forte (e previsível e recorrente) neblina matinal de inverno em Porto Alegre. Foram cinco horas de atraso. Cinco! No período, a aglomeração que se formou foi assustadora. Mal havia espaço para caminhar, as filas de embarque invadiam os corredores, os restaurantes lotados, pessoas de todas as idades sentadas no chão, um absurdo! Agora, o mais patético era o aviso, a cada hora, de que ainda não havia previsão de decolagem e que os passageiros deveriam se “acomodar” junt