Eu tinha 19 anos, recém conhecera minha
esposa e o mensalão sequer havia sido descoberto. O mundo era diferente em
meados do primeiro semestre de 2005, e seus horizontes, muito mais limitados do
que eu poderia imaginar. Então, as coisas começaram a mudar quando li “1984”, de
George Orwell.
Trata-se de uma das três melhores distopias já
escritas, ao lado de Admirável Mundo Novo
e Fahrenheit 451, as quais deveriam,
todas, ser lidas e debatidas, ainda na adolescência, em casa e na escola, mas não
quero, aqui, resenhar a obra. Meu objetivo é apenas refletir sobre a ideia
central do livro, formidavelmente condensada na icônica frase de seu
protagonista, Winston Smith: “Liberdade é a liberdade de dizer que dois mais
dois são quatro”.
Ou seja, liberdade é poder pensar e DIZER a
verdade, a verdade verdadeira, real, lógica, uma verdade que apenas poderá ser
encontrada de forma igualmente livre. Observem que propositalmente destaquei o
verbo DIZER, pois ele corresponde à água que rega os nossos pensamentos. Sem
liberdade para falar, nossos pensamentos morrem desidratados.
A verdade jamais será revelada mediante ameaça
de morte, prisão, tortura física e psicológica, eliminação civil, cancelamento
social. Encarcerados na iminência de termos nossas faces comidas por ratos que
não se satisfarão até romperem os limites de nossos crânios, falaremos qualquer
coisa que não seja a verdade, e o resultado de 2+2 será simplesmente o que
aqueles que detêm a força nos mandarão dizer. Porém, isso não é suficiente, e aí
está a grande diferença entre autoritarismo e totalitarismo: é preciso
acreditar na mentira, e não meramente replicá-la. Não basta servir resignadamente
ao regime: deve-se amá-lo. Assim, os detentores do poder não querem apenas nossas
ações e palavras, mas cobiçam, acima de tudo, nossas almas.
Tenho insistido nisso nos últimos tempos: não
há verdade sem liberdade, pois é a liberdade que nos permite encontrar a
verdade, ou, no mínimo ter dela um vislumbre verossímil. Não haverá verdade em
dizer que 2+2=5 se não pudermos livremente tentar demonstrar que isso é falso. Sem
sabermos o que é verdade, tampouco saberemos onde reside a verdadeira justiça,
e se não há justiça verdadeira, há a falsa ou, simplesmente, a injustiça.
O mundo descrito por Orwell é muito
semelhante ao nosso, e isso é fácil de perceber se você, nesse exato momento,
teme defender um ponto de vista lógico e coerente por ele se mostrar
politicamente inconveniente. A verdade pode estar escancarada diante de nós,
mas se não temos liberdade para defendê-la, tampouco para buscá-la, mesmo com
argumentos e evidências científicas, então não somos livres, ainda que não
vivamos sob o jugo de uma ditadura anunciada que, por vezes, a partir do
momento em que nossos corações e mentes já se encontram escravizados, sequer é
necessária.
* Imagem: cena do filme "1984", baseado na obra homônima (https://www.1984in2021.com/blog/how-many-fingers-am-i-holding-up-winston)
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