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CONTO - "O MONSTRO DA REPARTIÇÃO"

O despertador do telefone celular insistia em tentar acordar Alberto Soares, cujos roncos eram mais intensos do que os trovões daquela deprimente manhã chuvosa de segunda-feira. Trinta minutos depois de ter ativado pela primeira vez o modo “soneca” em seu aparelho, Soares cedeu e, enfim, acordou acompanhado por uma violenta azia. Olhou para o lado oposto de sua cama e decepcionou-se ao constatar que ali não estava a mulher formidável que o animara em seus sonhos, mas apenas a caixa de papelão da pizza de doze queijos que havia devorado na noite anterior enquanto assistia ao filme “Desejo de Matar”, estrelado por Charles Bronson, seu ator favorito. Percebeu que havia um pedaço remanescente, àquela altura frio como a madrugada daquele inverno. “Dane-se”, pensou, e antes que percebesse a barata que caminhava em seu lençol, seus dentes amarelados por vinte anos ininterruptos de ingestão de café já trituravam a fatia que tinha um sabor diferente daquele da noite anterior. Ainda se

A BELEZA E A SABEDORIA DE UMA NOITE DE CÉU ESTRELADO

Estou encerrando minhas férias, e os últimos dias desse meu período de descanso estão sendo no humilde, acolhedor e familiar balneário de Rondinha, situado na cidade de Arroio do Sal, no litoral norte do Rio Grande do Sul. Encontro-me com minha amada esposa Roberta e minha maravilhosa filhinha Glória na casa de meus grandes amigos Douglas e Elias e, nesse exato momento, madrugada do dia 03 de março de 2019, digito essas reflexões embalado por uma rede confortável suspensa em uma varanda ampla e muito agradável, ao mesmo tempo em que escuto o som dos grilos, sapos e outros animais noturnos, vez que outra interrompidos pelos ferozes latidos de cães em torno de uma cadela no cio. Sinto sob os meus pés a grama úmida pelo sereno, inspiro o aroma da noite e seus perfumes tomados das plantas ao meu redor e do mar, tão próximo daqui. Então, mais importante do que todas essas percepções, ergo minha cabeça e contemplo um céu estrelado, muito mais estrelado do que estou acostumado a observa

A HISTÓRIA DA MINHA VIDA - #5: BOLINHA DE SABÃO

Não me recordo de quando comecei a frequentar a creche Bolinha de Sabão, então localizada na Rua Manoel Leão, Bairro Ipanema, em Porto Alegre, mas creio que lá estudei desde o meu primeiro ano de idade. Gostava muito daquele lugar, e de tantos amiguinhos que ali fiz, alguns permanecem até hoje, como o Edisson Ferreira Filho e a Luana Petrini. A creche era um antigo imóvel adaptado com duas construções, uma frontal e outra de fundos, com um pátio entre elas. Ao lado das edificações e do “pátio intermediário” havia outro espaço completamente livre, do tamanho do terreno, cheio de opções para brincadeiras, como escorregador, balanços, gangorra etc. O chão era coberto de areia e lembro que seu cheiro não era nada agradável. Anos depois, descobri que derivava de cocôs feitos por gatos, os quais provavelmente viam aquele lugar como uma gigante “caixa de areia”. Muitas professoras marcaram a minha memória, em especial as “tias” Cíntia, Denise e Milene. Como elas estarão hoje? Acho q

A HISTÓRIA DA MINHA VIDA #4: DANDÁ PRA GANHAR TEM-TEM

Meu irmão Henrique nasceu no dia 12 de outubro de 1987, dia das crianças, portanto. Não poderia haver data mais adequada para a vinda de um irmão caçula, o qual sempre comemoraria seu aniversário em um feriado. Aliás, falando em feriado, sou o único da minha família que não teve esse privilégio. Além do meu irmão, minha mãe comemora o aniversário no dia 25 de dezembro (natal), enquanto o meu pai, em 15 de outubro. Tudo bem, em relação ao meu pai, o “feriado” vale apenas para professores e, consequentemente, escolas, universidades, etc, mas para a minha lógica infanto-juvenil era tecnicamente um feriado o seu aniversário, ainda que ele próprio trabalhasse normalmente no “seu” dia. Logo, sempre me senti um pouco revoltado quanto a isso. Afinal, por que eu, apenas eu, não nasci em um dia tido como especial? Minha mãe dizia: “Ah, meu filho, você nasceu no dia do aniversário do Tio Bóris...”. Certo, mas o dia do Tio Bóris não é feriado! Enfim, passado o desabafo acerca do fato de que

A HISTÓRIA DA MINHA VIDA #3: VÔ PADRINHO

Passadas algumas breves histórias curtas de fontes externas à minha memória, enfim escrevo sobre minhas primeiras lembranças, sobre as quais confesso não ser capaz de, plenamente, organizá-las de maneira cronológica. Talvez eu falhe um pouco nesse quesito, mas o importante é colocar tais recordações no papel. As lembranças mais antigas que tenho remontam ao Vô Padrinho. Já morávamos na casa que ele dera aos meus pais (na verdade, parte do valor da casa foi adquirida com o dinheiro da venda do terreno de Niterói, enquanto outra veio da quantia proveniente da comercialização de um apartamento do velho “dindo” da minha mãe). Ela ficava no bairro Ipanema, Rua Otelo Rosa, pouco mais do que duas quadras de distância do Lago Guaíba (na época, era chamado de Rio Guaíba, embora, academicamente, fosse considerado um estuário). A casa era térrea, mas bem espaçosa. Possuía duas construções, uma na parte da frente e outra nos fundos. A principal, da frente, tinha três quartos, dois banhei

A HISTÓRIA DA MINHA VIDA #2: ALGUMAS LEMBRANÇAS REMOTAS DA PRIMEIRA INFÂNCIA

Ninguém se lembra dos seus primeiros passos, da sua primeira palavra ou coisa assim. Sobre os primórdios de nossas vidas, recordamos de pouco, especialmente aqueles anteriores ao nosso quinto aniversário, a partir de quando, no meu caso, arrisco-me a contar meus “causos” de maneira minimamente cronológica. Logo, em relação aos meus primeiros cinco anos, ou talvez quatro, o que chamarei de “primeira infância”, minhas histórias serão meros “flashes”, simples descrições daquelas lembranças fugazes que, entendo, precisam ser registradas. Elas influenciaram pequenas coisas na minha vida, e, vira e mexe, vêm à tona, seja falando sobre algum assunto pertinente, seja recordando-me à toa quando algum evento qualquer me leva ao passado. No entanto, no que toca à parte da minha vida a respeito da qual meu cérebro, por ainda sequer estar pronto, registrou apenas por meio dos meus instintos e sentidos, mas não concretamente na forma de lembrança, dou-me o direito de, por meio de fontes extern