Pular para o conteúdo principal

A ESPERANÇA



Quase todos os dias algum fato me indigna e venho a pensar que tudo está perdido. A cada nova denúncia de corrupção; a cada crime, dos mais sérios aos mais banais, que passa impune; a cada constatação de que nossos sistemas de saúde e ensino estão arruinados; a cada humilhação que algum adulto ou jovem impõe ao próximo; a cada lixo jogado no chão etc. No entanto, observo, já há alguns anos, que uma simples prática poderia ser usada como exemplo para que o nosso futuro seja melhor e, no mínimo, menos indignante: a solidariedade dos passageiros de ônibus.

Quando pensam que vou falar de assentos que são cedidos aos necessitados, como idosos, gestantes e deficientes, estão enganados, pois embora eu já tenha presenciado esse tipo de atitude, tendo eu mesmo já a tomado (em algumas ocasiões, não sempre, admito), tenho que admitir que ela é bem menos comum do que aquela sobre a qual gostaria de tratar. Venho falar do oferecimento das pessoas para que segurem o excesso de "bagagem" daquele que se encontra em pé e, em meio à confusão e ao aperto gerado pela multidão amontoada no ônibus, tem dificuldades de portá-la. Como a minha condução mais usual é o ônibus, sou quase sempre testemunha desse simples, porém invariavelmente belo, ato de solidariedade, o qual, muitas vezes, é direcionado a mim, um usual portador de excesso de peso na pasta da faculdade. O mais interessante é que essa prática é cada vez mais comum, como se, aos poucos, estivesse sendo criado um hábito, uma cultura de solidariedade relacionada a esse tipo de questão. Enquanto que antes seria preciso uma "boa alma" para oferecer tal ajuda, agora muitas pessoas, talvez em muitos aspectos nem tão "boas" assim, sentem-se compelidas a oferecerem seus colos para transportar aquilo que o passageiro que se encontra em pé não consegue ou sofre para fazê-lo. Aos poucos, essa vem sendo a regra que está se sedimentando na cultura do transporte coletivo. O mais interessante é que ela surgiu sem nenhum tipo de campanha das empresas transportadoras, da prefeitura ou de qualquer outro órgão ou instituição. Ela partiu de alguém que era bom e se expandiu, naturalmente, levada pelos ventos da boa vontade.

Eis, portanto, o título dessa crônica: A Esperança. Atos simples como esses se desenvolvem e são capazes de criar uma nova cultura. Usemos essas pequenas boas ações nos ônibus como um exemplo simples para outras ações do nosso dia-a-dia que podem, se implementadas, ser transmitidas ao próximo, e assim sucessivamente. O sinal está vermelho? Não avance; deram-lhe troco a mais? Devolva o excedente; o colega é alvo de chacota dos demais? Defenda-o e repreenda quem faz esse tipo de coisa. Enfim, faça as coisas certas e não as erradas, aplicando, de certa forma, a velha máxima do "ama ao próximo como a ti mesmo". Os resultados podem surpreender, afinal, quem diria que um simples ato de oferecer ajuda a quem tem dificuldade de carregar suas coisas nos ônibus poderia se espalhar ao ponto de ser criada uma nova cultura. O cinema retrata essa questão através do filme "A Corrente do Bem" (2000), estrelado por Kevin Spacey e Haley Joel Osment (o I-See-Dead-People Boy de O Sexto Sentido).

Por fim, para que as coisas possam acontecer mais depressa no Brasil, quem sabe os políticos de nosso país não devam voltar a andar de ônibus? Acho que lá eles teriam uma bela aula de solidariedade e preocupação com o próximo. Vai que a moda pega entre eles? Nunca se sabe. De qualquer forma, há esperança de um mundo melhor, não resta dúvida. Miremo-nos no exemplo que vem da solidariedade dos passageiros de ônibus para com os seus próximos, pois uma simples centelha um grande fogo faz.

*Imagem: Haley Joel Osment em cena de "A Corrente do Bem" (2000) - Fonte: <https://lucasroberto.com.br/a-corrente-do-bem/>

Texto publicado originalmente no blog Renações (renanguimaraes.zip.net), antigo blog do autor, em 08/09/2009.


[greta guimarães] [greta.guimaraes@uol.com.br] 
Muito bem escrito e muito contagiante! Realmente, "pequenas atitudes"como estas, tornam-se GRANDIOSAS nos dias de hoje. Beijos. Te amo. Mãe.
09/10/2009 11:27
[Henrique] [henriqguima@bol.com.br] 
É verdade. Gostei muito, e concordei. abraços
09/10/2009 07:57

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dica de Tiras - High School Comics

Essa tira foi desenhad a por um amigo meu, Rodrigo Chaves, o qual realizou tal trabalho em parceria com outro artista, Cláudio Patto. Acho simplesmente excelente essa série de tiras chamada "High Shool Comics", que trata do cotidiano da vida escolar, sempre com bom humor. Mereceria aparecer todos os dias nos jornais, sem dúvida. Se a visualização não ficou boa, cliquem na imagem. Querem ver mais? Então acessem: http://contratemposmodernos.blogspot.com .

COMO É BOM TE BEIJAR

Como é bom te beijar, pois, ao fazê-lo, percebo como foi sábio ter me dirigido a ti assim que te vi, ter mentido que gostava de Chico só pra ficar contigo, depois te namorar pra, finalmente, casar. Quanto mais longe fica aquela noite, mais próxima de hoje ela está, mais presente que a notícia mais recente e mais bela do que uma florescente manhã de primavera. Como é bom te beijar. Teus lábios aconchegantes foram e são a chave para o que é mais precioso: o amor que temos um pelo outro, que fazemos um com o outro e que geraram as riquezas mais valiosas do que a soma de todo o ouro encontrado em toda a história: a Amélia e a Glória. Como é bom te beijar. A cada vez que trocamos sabores, algo muda em mim, um começo que me conduz a outro, nunca a um fim, afinal, depois do nosso "sim" dito no altar, juramos para sempre lado a lado caminhar. A estrada foi e sempre dura será, mas ela também  sempre trouxe muita beleza entre algumas tristezas, e assim seguirá, com a certeza de que Deu

NOITE FELIZ FORA DAS TRINCHEIRAS

    Entre tantos horrores e traumas, aconteceu na Primeira Guerra Mundial um evento isolado, mas absurdamente insólito e inspirador. Um fato tão bizarro quanto lindo, e não seria exagero dizer que se tratou de um verdadeiro milagre de natal, talvez o maior deles desde o próprio nascimento de Cristo.   A conhecida “Trégua de Natal de 1914” ocorreu em diferentes partes do front de batalha, e um dos seus mais famosos armistícios se deu nos arredores de Ypres na Bélgica, quando, na noite de natal, alemães decoraram suas trincheiras com pinheiros enfeitados e começaram a cantar, ao que os adversários, no lado oposto, responderam, com suas músicas. Por vezes, uniam suas canções às do “inimigo”, mas cada um no seu idioma. A melodia foi o convite para a paz e, assim, ambas as forças baixaram suas armas e se uniram para lembrar o nascimento de Cristo, com direito a comida, bebida, louvores e missa ecumênica celebrada simultaneamente por um padre escocês para britânicos, franceses e alemães.