Já
escrevi aqui no blog que eu estava lendo as “Memórias da Segunda
Guerra Mundial” de Winston Churchill, o maior líder que o século
XX conheceu. Entre muitas paradas, fiquei cerca de um ano com a
extensa, detalhada, mas formidavelmente escrita obra na minha
mesa de cabeceira. O estilo de redação único do falecido estadista
inglês lembrava o do meu avô Roberto Jeolás Machado Guimarães em
seu livro dedicado exclusivamente à família, “Sonhos Vividos”,
em que narra suas aventuras da infância e do início da
adolescência. Que saudades do meu avô!
Bom,
mas o foco dessa minha crônica não é o meu amado avô, mas
criticar as falas de Eduardo Bolsonaro em relação à China. Sim, é
verdade que nelas não há mentiras. O COVID-19 (que já recebeu o apelido de "kung flu") surgiu na China, e isso é um fato. Também é um fato que a ditadura chinesa também contribuiu para o surgimento do vírus, não no sentido
“teoria da conspiração” (o que, no momento, é impossível de
ser provado ou seriamente cogitado), mas por permitir sanitariamente
que essa praga surgisse, além de ter demorado muito para combatê-la
ao ponto de, inclusive, perseguir os primeiros médicos que fizeram o alerta (inclusive o descobridor da moléstia, que chegou a ter que desmentir publicamente suas constatações).
Mesmo assim, manifestar uma opinião pode, muitas vezes, ainda que
ela possa representar a verdade, ter consequências
negativas, especialmente se o emissor de tal posicionamento se
encontra em uma posição de fragilidade, o que se entende também
pelo ponto de vista relativo aos ganhos advindos de tal verbalização.
Muitas vezes, para sobrevivermos, precisamos aguentar no osso e
sermos doces com quem talvez não mereça ou deixar de fazer
acusações, ainda que fundadas, àqueles de quem dependemos em
alguma medida.
Churchill
demonizava os governos e ideologias totalitárias, inclusive o
comunismo soviético, mas em junho de 1941, diante do violento avanço
nazista Rússia adentro, proferiu um discurso que fez questão de
reproduzir, na íntegra, em sua obra. Ele sabia da necessidade de
ajudar os russos na guerra e de com eles firmar uma aliança, apesar
das profundas diferenças políticas existentes. A fim de se
justificar ao seu povo, Churchill disse:
“O
regime nazi é indistinguível dos piores aspectos do comunismo. É
desprovido de qualquer tema ou princípio além da ganância e da
dominação racial. Supera todas as formas de maldade humana na
eficiência de sua crueldade e em sua agressão feroz. Ninguém tem
sido um opositor do comunismo mais consistente do que eu, nos últimos
25 anos. Não desdigo uma só palavra que proferi a respeito dele.
Mas tudo isso se extingue diante do espetáculo que agora começa. O
passado, com seus crimes, loucuras e tragédias, some num lampejo.
(…)
Não
é momento de discursos moralistas sobre os desatinos dos países e
governos que se permitiram ser derrubados um a um, quando, através
da ação conjunta, poderiam ter poupado a si mesmos e ao mundo dessa
catástrofe. (…) Sua invasão da Rússia não passa de um prelúdio
à tentativa de invasão das Ilhas Inglesas.
(…)
O
perigo russo é, pois, o nosso perigo e o perigo dos Estados Unidos,
assim como a causa de qualquer russo que se bate por sua família e
seu lar é a causa dos homens livres e dos povos livres em todas as
partes do globo. Apendamos a lição já ensinada por tão cruel
experiência. Redobremos nosso esforço e ataquemos com a força da
união, enquanto nos restarem vida e poder”. (CHURCHILL,
Winston. Memórias da Segunda Guerra Mundial – Volume 1, 1ª ed.
Rio de Janeiro, HarperCollins, 2017, p. 541-543).
O
que esse trecho do discurso de Churchill nos ensina? Não precisamos
negar a verdade, mas há tempos em que ela pode ficar guardada,
entalada em nossas entranhas, a fim de que possamos unir forças
contra um mal comum. A China pode ter criado o vírus, ou sido
negligente no seu combate inicial? Sim, tudo isso pode ser verdade,
e, sinceramente, é provável que seja. Entretanto, o fato é que
vivemos um período sombrio, inimaginável, cujo futuro se apresenta
de forma nebulosa. Ainda é cedo para fazer qualquer rabisco acerca
dos meses que virão, mas quando, na história da humanidade, o mundo
inteiro, INTEIRO MESMO, resolveu interromper suas mais diversas
atividades econômicas e sociais e declarou quarentena? O fato é que
o Brasil, assim como o resto do planeta, reduziu drasticamente suas
atividades, encontrando-se, faticamente, parado, o que representará
não um baque, mas uma bomba na economia. Estamos diante de uma
catástrofe em todas as áreas, e a socioeconômica terá a mais
longa, difícil e complexa recuperação.
E
a China, onde entra nessa? Ora, o que sustenta nossa macroeconomia
são as exportações, 20% das quais vão para a China, nossa
principal parceira comercial. Logo, no caso de nosso país, o que
temos a ganhar com declarações como a de Eduardo Bolsonaro, que
disse: “+1 vez uma
ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas q
salvaria inúmeras vidas A culpa é da China e liberdade seria a
solução” (sic).
Ora, o que isso trará como consequências positivas para o Brasil? A
resposta é: nada!
Enfim,
não gostaria que a liderança da humanidade passasse para a China,
por não representar os valores que defendo. Entretanto, essa não é
uma briga do Brasil, mas dos Estados Unidos, o único capaz de
comprá-la. Nós somos apenas peões e precisamos que tanto chineses
quanto americanos comprem nossos produtos, ainda mais agora, em que a
economia de nosso país desmoronará de forma absurda e sem
precedentes. Não precisamos de mais dificuldades. Eduardo Bolsonaro,
aprenda com Churchill. Leia os seus escritos em vez de deixá-los
esquecidos em sua estante. Pensando a médio prazo, o inimigo será a
profunda crise econômica e a social dela derivada, e os chineses,
queiramos ou não, serão fundamentais para sairmos da areia movediça
em que estaremos.
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