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S(HUT) T(HE) F(UCK UP)



Meus amigos mais próximos sabem que sou desbocado e não me orgulho disso. Foi culpa da selva que havia dentro da Kombi do Tio Ademir, que me levava de casa para a escola e, à tarde, devolvia-me à segurança do lar. Mesmo assim sempre me esforcei para domar a minha "língua suja". Contudo, um palavrão é, muitas vezes, um símbolo, um clamor por LIBERDADE. Claro, não estou incentivando ninguém a falar palavrões, e até considero negativa a banalização do seu uso. Ah, que saudades das antigas dublagens dos estúdios Herbert Richards e xingamentos como "patife", "vá se danar" e "filho da mãe". A questão é que, embora possamos falar qualquer palavra, não podemos expor qualquer pensamento, a não ser se cochicharmos em nosso próprio travesseiro. E olhe lá. A célebre reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020 trouxe algumas declarações de Bolsonaro e dos Ministros Abraham Weintraub e Damares Alves que têm gerado bastante repercussão, e até mais do que a questão do "interfiro, sim!" (que já poderia justificar um impeachment, sendo, também, um elemento de prova para o crime comum de prevaricação). O encontro também foi um festival de palavrões, com Bolsonaro dizendo que estão querendo "foder" a sua "família toda", sem contar expressões como "puta que o pariu", "porra", "bosta", entre outras, coisas que ninguém fala, especialmente em ambientes fechados, é claro. É bonito e agradável? É óbvio que não. A questão é: e daí? Não era um pronunciamento à nação, uma entrevista individual ou coletiva, tampouco uma postagem no twitter ou em qualquer outra rede social. Era uma reunião fechada. É verdade que não se tratava de um almoço de domingo com a família, um churrasco na quarta-feira à noite com os amigos para ver futebol, ou um happy hour de sexta-feira. Foi uma reunião institucional, gravada, como sempre, para fins de registro, em que assuntos de governo foram tratados. Nem vou entrar no mérito da divulgação em si, mas não é justo demonizar os participantes daquele encontro pelos palavrões e às ofensas ditos a portas fechadas. Alguém tinha dúvidas de que Bolsonaro pensava de maneira distinta do Doria e do Witzel (educadamente adjetivado como "estrume", é bom lembrar)? Aliás, como o leitor acha que eu às vezes (ou sempre) o adjetivo no conforto do meu lar, no interior da minha intimidade junto àqueles em quem confio? Ou como eu sou adjetivado? Se uma mosquinha sempre registrasse tudo o que falamos, e como falamos, então não sobraria pedra sobre pedra. Não tenho dúvidas de que um dos elementos para a humanidade ter se desenvolvido como civilização foi a consciência de que é simplesmente necessário para o nosso saudável convívio e sobrevivência termos algumas papas na língua. Ou seja: nem tudo o que pensamos e falamos na nossa intimidade deve ser usado em todo momento, mas, muitas vezes, apenas na hora certa ou, até mesmo, nunca, se for o caso. Tudo depende da conveniência. O problema é quando se confunde essa ideia de necessárias papas na língua com a inviabilidade de manifestar certos pensamentos em círculos fechados de conversa, alguns dos quais se revelam meras praguejadas e insatisfações, outros, reflexões incompletas e sujeitas a todo tipo de contraditório e reavaliações se forem tocados adiante. Assim, vou me ater, aqui, apenas à fala de Abraham Weintraub. Sempre polêmico, o Ministro da Educação disse que, por ele, ao fazer referência ao "cancro" de Brasília, "botava esses vagabundos na cadeia, começando no STF". Uma declaração forte, é verdade, mas, como já exaustivamente falei, dita a portas fechadas e num tom raivoso de maldição, algo do tipo "que vão para o inferno!". Uma provável verdade inerente em seu espírito, algo que ele realmente deseja, enfim, uma manifestação de pensamento de indignação legítima de qualquer ser humano. E, repito, expressada a portas fechadas e sem qualquer articulação ou sugestão para que se concretize. Logo, o que há de literalmente censurável nessa sua fala? Celso de Mello parece ter a resposta, e já disse que a declaração indica "aparente prática criminosa" e que "configuraria possível delito contra a honra (como o crime de injúria)". Ora, ESSA declaração? Uma praguejada em voz alta em uma reunião fechada? Uma coisa é a censura pública a um pensamento, a refutação a uma ideia, a destruição de um argumento. Outra é a literal censura indicada pelo decano do STF. Algo muito grave, pois, como já falei, não estamos falando de uma declaração pública, mas de uma manifestação em uma reunião fechada. Claro, era uma reunião de Estado, pública por natureza, mas, ainda assim, fechada, sendo absurdo considerar essa declaração uma injúria no contexto em que se deu. E se houvesse uma câmera aqui na minha casa, na minha mesa de jantar, onde desabafo em voz alta minhas reflexões sobre o céu, a terra e a água para a Roberta? Se o critério fosse o do Ministro do STF, eu já estaria preso há muito tempo, e isso vale para muita gente. Nessa levada, não apenas Celso de Mello, mas vários Ministros do STF vêm tomando medidas que temo adjetivá-las aqui, afinal, poderei pagar por isso, então, reservo-me, por enquanto, à segurança do lar, da família e dos amigos de confiança. Uma das mais famosas é o "inquérito vale-tudo" aberto por Dias Toffoli e conduzido por Alexandre de Moraes que visava à investigação de fake news contra membros do próprio Supremo, mas que já está buscando meios para descobrir quem organizou "atos antidemocráticos" em abril e também já censurou a revista Crusoé pela publicação de uma menção existente em um processo criminal (a história do "amigo do amigo"). Isso sem falar nas mais diversas ações judiciais movidas por Ministros contra jornalistas que teriam ofendido sua integridade moral, rendendo-lhes desproporcionais milhares de reais. O fato é que eu gostaria de falar o que penso sobre muitas coisas. Às vezes, em minhas reflexões em voz alta, falo barbaridades, é claro, especialmente entre pessoas de minha intimidade, muitas das quais, inclusive, me arrependo. Pensamentos que não são sentenças. Pensamentos falados. Pensamentos criados a partir de minha liberdade de pensar e de contradizer a mim mesmo com respostas que elaboro ou que recebo de meus interlocutores. Respostas a questões que só existiriam se essas perguntas fossem sinceramente trazidas à tona. Se essas indagações ficassem enterradas nas profundezas de minha mente, cerradas nos portões da minha boca, ficariam sem contra-argumentos para sempre e eu seguiria convivendo com mentiras ou, no mínimo, com equívocos. A verdade existe, mas está em constante descoberta, e a dialética (debate entre aqueles comprometidos com a busca da verdade) é o caminho para chegarmos cada vez mais perto dela. Se temermos abrir o nosso bico, especialmente em ambientes fechados familiares, acadêmicos e representativos, então acabou. Deixaremos que alguns poucos usurpem o bastão da liberdade de expressão que cada um tem o direito natural de portar e, então, acataremos, seja passivamente, seja por medo, o que é apresentado como A Verdade e nos recolheremos ao nosso cotidiano, ou melhor, ao cotidiano que nos foi designado, pois questioná-lo sempre poderá representar um risco. Mas vou parar por aqui. Vai que largo uma letra mal colocada. Prezo pela minha liberdade e o meu bolso! Olho-me no espelho e digo, em inglês, para dar uma disfarçada:


*


* Cala a boca, p...a

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