O velho Osmar há pouco abrira as portas de sua loja de decorações rústicas quando viu se aproximar um homem mascarado como todos os outros. O rapaz lhe perguntou: “Então, é assim?”. Osmar não entendeu a pergunta, mas a chegada hostil da pessoa o fez pensar ser um assalto. “Eu...não tenho…”, tentava responder, confuso, mas foi interrompido: “Ou você faz alguma coisa, ou vai pagar por isso”. O indivíduo deu-lhe as costas, atravessou novamente a rua e sumiu na esquina.
O dono da loja ficou perturbado. Sim, fora ameaçado, mas não tinha a mínima ideia pelo quê. Foi quando olhou para a esquerda e percebeu outras três pessoas que iam na sua direção. Uma delas portava um porrete. Seus passos apressados impediram o senhor de escapar. Já estava envolvido pelos três. O do porrete o cutucava nas costas e comentava em seu ouvido: “Machista! Machista de merda!”. Confuso e temeroso, Osmar não entendia a razão das ofensas, e foi quando uma outra integrante do trio o encarou e disse: “Não compre mais da loja do seu Hélio. Ele é machista! Comprando dele, você também é!”. O terceiro ficou em silêncio e de olhos fechados. Enorme, parecia um gigante dormindo de pé, mas seus braços cruzados o tornavam assustador. E, assim, os três o deixaram.
Osmar não avistou mais ninguém. Telefonou para o seu Hélio, conhecido artesão da cidade que fazia relógios cuco, seu fornecedor daqueles produtos tão belos e únicos. Contou-lhe o ocorrido e pediu explicações. “Osmar, você sabe que a minha empresa sempre foi eu e meu filho, mas no último ano aumentou a demanda e contratamos duas funcionárias. Com a crise, não tinha mais como mantê-las. Foi isso! Vários já me ligaram, e alguns nem pediram explicações e cancelaram as encomendas porque não querem pensem que eles são machistas”. Osmar respondeu: “Fique tranquilo, Hélio. Eu sei quem você é. Vou bancar!”. E bancou.
Nada falou publicamente, seguiu comprando e revendendo os relógios do seu Hélio, até que, uma semana depois, ao chegar em sua loja, deparou-se com uma enorme pichação: “Machista! Não compre aqui!”. Vandalizaram o chão, a parede e o portão.
Antes de abrir o estabelecimento, Osmar deu uma volta no bairro e caminhou em frente às lojas que ele sabia que também vendiam os relógios do seu Hélio. Eram seis. Duas estavam pichadas como a sua, e outra amanheceu com as vidraças quebradas. As outras três estavam intocadas, mas Osmar não viu relógios cuco nas suas vitrines. Voltou para a sua loja e iniciou a limpeza.
Dias se passaram e o assunto ainda era o tal machismo do seu Hélio e como alguém ainda poderia vender seus relógios. Esse alguém era Osmar, pois as outras três lojas não mais tinham em seu acervo o mais belo produto que já ofereceram. E as pichações continuavam, o movimento caía, as vendas despencavam e, de vez em quando, um mascarado ou uma mascarada surgia para simplesmente chamá-lo de machista. Então, Osmar pegou o telefone.
Os cucos não mais cantaram na cidade.
* Imagem: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/relogio-cuco-historia.phtml
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