A forma como as pessoas replicam notícias no embalo do narrado pela maioria, sem atentar para os fatos em si, me assusta e sempre me lembra da infância.
Sentado no chão, pernas cruzadas e queixo apoiado sobre as mãos cerradas, eu esperava ansioso pela hora da leitura na biblioteca Monteiro Lobato, na Escola Mãe de Deus. A professora sentou-se em frente às crianças e abriu o pequeno livro. Uma fábula conhecida seria narrada e nunca imaginei que aquele dia me marcaria para sempre.
Era a história de uma ovelhinha inocente. Ela seguia naturalmente o curso de sua vida: pastava, balia e esparrama bolinhas ejetadas de suas entranhas pelo campo, ciente de que seu destino seria um açougue ou a indústria têxtil. Não que ela almejasse isso, mas aceitava, afinal, assim era a vida. Um dia ela terminaria, e a ovelhinha sempre procurou aproveitar da melhor forma os dias em que caminhava sobre seus verdejantes campos.
Um dia, porém, observou, de longe, várias ovelhas que repetiam o que outra proclamava. Aquela que era tida como a líder de lá saiu, e todas foram atrás. A ovelhinha achou estranho, mas nada questionou. Uniu-se ao rebanho e não mais era possível distingui-la. Era apenas mais uma junto a tantas outras, uma bola de lã num cesto com muitas delas, uma nuvem misturada a um céu nublado.
Então, as ovelhas resolveram parar e dançar. Ficaram sobre duas patas e sua desenvoltura era a de bailarinas. A ovelhinha as imitou. Depois, todas deitaram e começaram a rolar sobre a grama, e a ovelhinha, mais uma vez, fez o mesmo. Em seguida, olharam para as vacas e as ofenderam da única forma que lhes era possível: “suas mééééééérdas”, e a ovelhinha, mesmo sem saber por quê, uniu-se ao coro. Passado isso, todas começaram a defecar. A ovelhinha já havia feito suas necessidades, mas, se todas resolveram fazê-lo ali, ela não poderia agir diferente. Quando o verde-esmeralda da grama se misturou ao escuro verde-musgo oriundo de suas entranhas, cada uma das ovelhas se voltou para o chão e começou a comer aquelas bolinhas como se fossem pasto. A ovelhinha fez o mesmo. O gosto era horrível, mas quem se importava? Todas estavam fazendo, logo, só poderia ser o certo.
Finalmente, o grupo se dirigiu até um precipício. O líder, depois de anunciar que voaria rumo à verdadeira liberdade, saltou. Foi seguido por uma, por duas e, assim, todas as ovelhas, uma a uma, foram sendo engolidas pelo abismo. A última da fila era a ovelhinha. Ainda com o gosto de suas próprias fezes na boca, ela hesitou. Perguntou-se, pela primeira vez, sobre o que estava fazendo e por quê. Abaixou a cabeça e enxergou um grilo. Ele não falava, mas culpa, vergonha, repulsa e medo brotaram no coração de Maria que, dessa vez, não foi com as outras.
Ela ainda era livre. Livre de verdade.
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