O Colégio Franco-Brasileiro, de Recife (PE), anunciou que adotará a linguagem neutra a fim de combater o sexismo, o machismo e o preconceito àqueles que não se sintam confortáveis com a visão binária de gênero. Assim, palavras “masculinas” e “femininas” que terminam com “O(S)” ou “A(S)” passariam a terminar com “E(S)”, como, por exemplo, “obrigade”, “menines” etc.
Em 1984, George Orwell apresenta uma nação totalitária que possuía quatro ministérios, mas um merece especial destaque, considerando a notícia acima. O Ministério da Verdade adulterava notícias e fatos históricos, conforme a conveniência do momento, o que envolvia a adaptação da própria língua a tais interesses (a “novilíngua”), eliminando-se ou condensando-se palavras a fim de limitar significados, evitar reflexões desnecessárias ou gerar uma dissonância cognitiva proposital (exemplo: cor “pretobranco”).
Orwell acertou na mosca em sua percepção acerca do que envolve uma visão política e cultural totalitária, cuja prioridade é a manipulação da verdade. Isso não envolve mera interpretação, pois a interpretação provoca o contraditório, para o qual devem existir, no mínimo, palavras que o possibilitem. Logo, picotando-se, na marra, as palavras, seja por sua eliminação, estigmatização (a palavra “negro”, por exemplo) ou, ainda, deformação (como no caso do “menines”), elimina-se, cada vez mais, o debate e a possibilidade de as pessoas, civilizadamente, chegarem a consensos, meios-termos ou à verdade pura e simples.
O caso dessa cruzada pela linguagem neutra é fruto dessa visão. Ao contrário do que prega, não se evitam discriminações e preconceitos, mas os reforçam. Ao mesmo tempo, fazem parte de todo um movimento que vai muito além de questões pronominais e que busca controlar nosso próprio pensamento, afinal, caso sequer tenhamos palavras que descrevam, no âmago de nossas mentes, o que sentimos a respeito de qualquer assunto, tampouco teremos condições de expressá-las.
Aqui é importante uma observação: as línguas se desenvolvem e vão se adaptando com o tempo, é verdade. Um exemplo clássico da língua portuguesa é a palavra “você”: de “Vossa Mercê” reduziu-se para “vosmecê” para, então, termos o atual “você”, que, provavelmente, caminha para um “cê”. Contudo, tal se dá, originalmente, sem regras ou leis, mas através da própria forma como o povo se comunica. Diante disso, embora nem sempre se trate da melhor escolha, é legítima a adaptação formal do idioma, o que não ocorre quando a mudança é imposta de cima para baixo.
Ainda há muito para se falar sobre esse tema polêmico, o que é possível pelas palavras que, por ora, seguem utilizáveis, mas fico por aqui. Para encerrar, replico uma provocação feita por Guilherme Fiúza: o Colégio Franco-Brasileiro passará a se chamar “Franque-Brasileire”?
Quem diria que o grande humorista Mussum era um homem à frente de seu tempo?
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