Shun leva a fama de chorão, mas, talvez, a “carapuça”
sirva melhor em Hyoga. Claro que estou brincando, pessoal, mas, convenhamos: é
estranho um herói frequentemente sair gritando “mamãe” por aí. Em sua jornada,
esse forte vínculo entre o Cavaleiro de Cisne e aquela que o colocou no mundo
inclusive é apontado como sua fraqueza. Porém, isso era o que os inimigos do
nosso guerreiro glacial simplesmente achavam ou, ao menos, o que gostariam que
o herói pensasse. Na verdade, a grande virtude de Hyoga é justamente honrar a
sua mãe.
A relação nostálgica e de ensinamentos entre
Cisne e sua mãe sempre esteve presente, e é provável que Kurumada tenha feito
isso pensando no grande clímax do confronto contra Camus de Aquário, que usa
seus poderes para mandar para as profundezas do abismo do Mar da Sibéria o navio
mausoléu onde jazia aquela que deu Hyoga à luz. Arrasado, Cisne converte a
maculação de seu passado em ódio, mas esse sentimento não é suficiente para
elevar o seu cosmo ao máximo. Ele é derrotado e congelado em um esquife de
gelo. Libertado por Shiryu e reanimado pelo cosmo de Shun, mais tarde, na
revanche contra o Mestre de seu Mestre, o derrota, mas, igualmente, tomba. Contudo,
em nenhum momento dessa luta ou no decorrer de sua saga veio a negar o amor a
sua mãe, tampouco seu legado. Ele sempre a honrou.
Na Bíblia, um dos dez mandamentos, ou seja,
uma das dez coisas mais importantes que Deus nos ordenou, é honrar os nossos
pais: “Honra teu pai e tua mãe, a fim de
que tenhas vida longa na terra que o Senhor, teu Deus, te dá” (Êx 20:12). Agora,
o que é honrar alguém?
Honrar alguém é reconhecer o seu valor. É
saber que a pessoa contribuiu com algo importante e relevante. E nossos pais,
no mínimo, merecem ser honrados por terem nos colocado no mundo e nos dado o
presente da vida. Por mais terríveis que alguns sejam, ainda assim a vida é um
presente, pois, enquanto vivos, ainda temos a possibilidade de fazer diferente
deles, de cortar o círculo de vícios em que porventura eles estejam inseridos. Claro,
há aqueles tão maus que chegam ao ponto de acabar com a vida dos próprios filhos.
Embora esses casos terríveis e reais existam e sejam comuns, na verdade são a
exceção da exceção, o que é justificado pelo ruído estrondoso de suas notícias.
O que há, e muito, muito mesmo, são pais que, apesar de suas imperfeições, amam
os seus filhos e lutam para criá-los. Uma luta que, através de palavras e ações,
é permeada por ensinamentos.
É possível que muitos que estejam lendo esse
texto não se identifiquem com essa reflexão. É compreensível que alguns pensem que
pais ruins, negligentes e ausentes simplesmente não merecem qualquer honra,
qualquer reconhecimento, mas, de qualquer forma, ouso repetir que eles têm o mérito de, no mínimo,
conceder aos filhos a vida e toda a beleza, o amor e a alegria que nela há,
mesmo que, para vários, tais presentes pareçam ocultados pelas sombras de um
cotidiano hostil e árido. Bênçãos que, ainda assim, existem e é só vivendo que
se tem, ao menos, a possibilidade de encontrá-las.
Hyoga nos ensina isso. Refletindo sobre a razão
por ter nascido em um tempo tão desgraçado e colocado como soldado de uma
guerra pela sobrevivência da humanidade, diz a Milo de Escorpião: “Minha vida vale porque estou aqui e agora, e
é uma felicidade poder andar no mesmo caminho que os meus amigos. Não me
importa o quão difícil isso possa ser, houve um tempo em que eu amaldiçoava o
meu infeliz nascimento, mas, agora, eu agradeço a Deus por ele ter me permitido
viver ao mesmo tempo em que os meus amigos!”. Alguém que viu sua mãe morrer
diante de seus olhos e teve uma vida de grandes privações a partir disso
poderia se afundar em autopiedade, mas não o Cavaleiro de Cisne, que, embora
admita os sombrios pensamentos que lhe tocaram, é grato por, a partir do seu
nascimento, ter tido a oportunidade de viver ao mesmo tempo em que seus amigos,
ou seja, de compartilhar alegrias, tristezas, derrotas e vitórias ao lado de
pessoas maravilhosas e que o amam.
A mãe de Hyoga, porém, não se limitou a coloca-lo no mundo, mas, também, em seu curto tempo de convivência
com o filho amado, deixou um legado de amor, respeito, lealdade e fé. O
cavaleiro, na luta contra Berengue de Coma Berenices (um dos Cavaleiros da
Coroa do Sol que defendiam o deus Abel), depara-se, no chão, com a Cruz do
Norte que lhe foi dada por sua mãe. Então, ele reflete sobre os ensinamentos
que dela obteve a partir de suas palavras e ações. Reunindo forças para vencer
o temível inimigo, ele fala: “Minha
querida mãe não teve uma vida de alegria e encantamento. Mesmo assim, ela
jamais odiou alguém, acreditava em Deus e me ensinou a importância do amor
(...) O Deus da minha mãe era o Deus verdadeiro e não um deus farsante como
Abel!”.
Aqui, uma pergunta: seria Hyoga o “cavaleiro
cristão”? No mundo politeísta de CdZ, talvez, embora seja contraditório um “cristão”
defender uma outra deusa. Essa questão, porém, é irrelevante para a mensagem
transmitida. Isso porque os valores que a mãe de Hyoga lhe transmitiu se deram
a partir de sua fé (simbolizada na Cruz do Norte), e quando o Cavaleiro de
Cisne invoca a verdade do Deus de sua mãe, ele invoca a verdade absoluta e
suprema dos valores por ele defendidos e, consequentemente, dos frutos gerados
a partir de então. Os valores de Hyoga são aqueles passados por sua mãe,
valores que ele percebeu, em sua jornada, serem verdadeiros e fundamentais. Valores
que manteve erguidos para sempre, sob a luz do sol, ainda que o corpo de sua mãe
tenha afundado para sempre nas águas geladas e escuras da Sibéria.
Porém, e esse é o contraponto interessante
que a série transmite, Hyoga, apesar de nunca ter renegado os valores da mãe,
muito menos a esquecido, percebe a necessidade de emancipar-se de fato, e isso
só acontece depois de Camus agir. Uma armadilha do amor e da gratidão aos pais
e aos seus ensinamentos é temermos a emancipação, ou seja, é termos medo de
seguirmos adiante, de sermos totalmente livres e donos de nossas vidas. Isso não
significa deixarmos para trás os nossos pais, mas aceitar que é preciso seguir
adiante e lutar por nossas vidas sem deles depender. Ainda assim, devemos
sempre manter no peito a “Cruz do Norte” que eles nos legam e reconhecer o seu
significado, o que é diferente de convertê-la em uma bola de ferro que nos
impede de agirmos por conta própria. Eis o equilíbrio necessário para que voos
importantes não sejam impedidos. Caso contrário, nunca alcançaremos o “sétimo
sentido” na vida e seremos facilmente derrotados nas batalhas realmente difíceis
com as quais nos depararemos.
Hyoga, portanto, promove essa valorosa
virtude, a honra aos pais, àquilo que eles nos transmitiram e transmitem, desde
o simples presente da vida até os mais sábios testemunhos e lições. Uma honra,
contudo, que deve servir como impulso para nossos voos, e não uma justificativa
para temermos as alturas dos céus.
Essa é a lição de Hyoga de Cisne, aquele que
honra a sua mãe.
E então? Alguma outra virtude promovida pelo
Cavaleiro do Gelo? Comentem!
*Imagem: https://br.ign.com/cavaleiros-do-zodiaco/83507/story/10-melhores-cavaleiros-do-zodiaco-de-bronze
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