Até
hoje, poucos filmes me emocionaram mais do que “Coração Valente”, um clássico
do cinema. Eu tinha apenas nove anos quando, depois de não conseguir comprar
ingressos para “Gasparzinho”, acabei, por acidente, assistindo àquela que seria
uma das obras mais marcantes com que me depararia e que impactou a minha alma
pelo poder e o significado de uma palavra: liberdade.
Como
já faz mais de 26 anos de seu lançamento, de repente o leitor não saiba sobre o
que é o premiado filme, talvez a mais bela e épica licença poética para a jornada
de William Wallace, líder das revoltas escocesas que assombraram os ingleses no
final do século XIII. Mais do que uma história de batalhas e intrigas, trata-se
de uma aula sobre o valor da liberdade.
Quando
falamos em valor, tendemos a distinguir seu significado: enquanto os valores morais são aqueles que conduzem a nossa vida, dirigem nosso olhar e moldam nossas ações, os valores materiais estão no preço estipulado para as coisas. Porém,
a verdade é o que sentido da palavra é um só, pois mesmo nossos valores morais
podem ser precificados. A diferença é que não necessariamente serão “comprados”
por dinheiro, mas por algo que entendemos ser mais valioso, simplesmente. No
caso do filme, discute-se o valor da liberdade. Wallace, na versão interpretada
por Mel Gibson, deixa claro que absolutamente nada é mais importante do que ser
livre, ou seja, nada pode comprar a liberdade, nenhum título, nenhuma palavra,
nem mesmo a vida.
Ao
finalmente se apresentar diante do grande exército que se reuniu inspirado nas
histórias a seu respeito, a fim de encorajar seus homens que, então temerosos
diante das forças inglesas com as quais se depararam, cogitavam, inclusive,
fugir para salvar suas vidas, ele proclama um dos mais lindos discursos da história
do cinema:
“Sim, lutem e vocês poderão morrer; fujam, e
vocês viverão. Pelo menos por enquanto. E quando estiverem morrendo em suas
camas, muitos anos depois, vocês almejarão negociar todos os dias, de hoje até
aquele dia, pela chance, apenas uma chance, de voltar aqui e dizer a nossos
inimigos que podem tirar nossas vidas, mas jamais tirarão… Nossa liberdade!
Durante
seu terrível martírio (que, na vida real, foi muito mais sangrento e cruel do
que nas telas), Wallace, em vez de pedir por misericórdia aos seus algozes,
grita: “LIBERDADE!”. Ele morre, mas seu grito vive para sempre, ecoando nos espíritos
de seus contemporâneos e assim permanecendo até os dias atuais.
Esses
dois momentos resumem muito da obra: não há vida sem liberdade, e a verdadeira
liberdade não morre com correntes, não morre com a execução de seu proclamador,
não morre diante do jugo do tirano, mas morre quando aquele que a tem em seu
espírito dela abdica, acovardando seu coração, o que é diferente de ser
derrotado. Como disse o herói, nossos inimigos “podem tirar nossas vidas, mas jamais tirarão a nossa liberdade”.
Isso
significa que o livre resiste até o fim, ele não negocia a liberdade, e sabemos
bem o que é, realmente, liberdade, apesar de ser difícil explicá-la. Há
liberdade quando falamos e pensamos o que queremos e, a partir disso, chega-se ao
ponto mais próximo da verdade. É na verdade que reside a justiça, e a justiça é
o que equilibra as relações entre as pessoas, seus interesses, suas diferenças
e prioridades. No entanto, a verdade será cada vez mais deturpada se a
liberdade, especialmente a liberdade para falar e pensar, for progressivamente
cerceada, e quanto mais escondida a verdade, quanto mais soterrada a
possibilidade de, com ideias, palavras e ações, revelarmos a mentira, mais distantes
estaremos da justiça e mais vulneráveis, senão dominados, nos encontraremos
diante da tirania.
Por
fim, uma vez conquistada, a liberdade precisa ser garantida, pois é tentador àqueles
que se apresentam como seus guardiões manipulá-la segundo interesses próprios,
e não há nada mais diabólico do que conferir a um valor um significado
mentiroso. Como identificar isso? A resposta está na obra.
Após
receber o título de sir dos nobres
escoceses que, logo em seguida, iniciam uma discussão política entre si, revelando
estarem mais preocupados com quem seria o rei da Escócia do que em garantir a
liberdade de fato em relação à tirania inglesa, Wallace, sopesando o valor de
um importante cargo em relação ao valor da liberdade, diz:
“Existe uma diferença entre nós: os nobres
acreditam que a gente existe para lhes proporcionar sua posição; eu acredito
que a posição deles existe para proporcionar liberdade às pessoas e eu vou
assegurar de que a tenham.”
Portanto,
quando aqueles que se dizem guardiões da liberdade a defendem por meio do sufocamento
dessa liberdade, uma asfixia claramente de ideias e de expressão, então está
claro que os nobres de nosso tempo não querem nada além do que garantir as suas
posições e tudo o que elas lhes proporcionam. Não estão preocupados com a
liberdade dos que dizem proteger, mas sim em, eles próprios, se defenderem de
seus protegidos a partir do cerceamento de sua liberdade e, paradoxalmente, em
nome dessa liberdade. Logo, quem a assegurará?
Ronald
Reagan, falecido ex-presidente dos EUA, dizia que “A liberdade nunca está a mais de uma geração da extinção. Nós não
passamos a liberdade para nossos filhos na corrente sanguínea. Devemos lutar
por ela, protegê-la e entregá-la para que façam o mesmo.” É exatamente o
que diz Wallace: é missão dos “nobres”, ou seja, dos detentores do poder, proporcionar
liberdade às pessoas, e não esmagá-la, e, a fim de garantir que isso aconteça,
cabe a cada pessoa que reconhece o valor da liberdade lutar, todos os dias, por
ela, e não esperar que a boa vontade dos poderosos atenda às demandas por
efetiva justiça.
Um
coração valente luta com ideias, palavras e ações pela liberdade, uma liberdade
que, inclusive, possibilitará lhe revelar que muito do que acredita possa estar
errado. A coragem dessa luta está justamente nisso, na chance de encontrar o
erro. Porém, um coração covarde é o que teme a verdade, e nada melhor para mantê-la
longe do que atacando a liberdade.
Que
ardam corações valentes em nossos peitos, e não nos deixemos congelar pela
frigidez de corações covardes. O calor da liberdade vem com o sol que a conduz, e
a verdade é revelada pelo intenso brilho de sua luz.
*Imagem: https://wall.alphacoders.com/big.php?i=562087&lang=Portuguese
Muito bom, Renan! Parapenz!
ResponderExcluirMuito obrigado, Rubem! Abração!
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