Era
uma vez um reino poderoso. Sua bandeira era gloriosa e tremulara nos mais
distantes confins do mundo. Houve um tempo em que ninguém era capaz de superá-lo,
chegando a ser apontado como a maior força que existira. Seus líderes,
guerreiros e o seu próprio povo, com o tempo, foram sendo superados por uma
nova geração.
Num
belo dia, o Reino recebeu a visita de alguns que diziam ter um tesouro fácil e
poderoso. Algumas pequenas contrapartidas para a ele ter acesso e o mais
majestoso dos palácios e o mais poderoso exército estariam ao alcance. O Rei se
interessou, consultou seus Conselheiros e a resposta foi “sim”. Da noite para o
dia, os melhores cavaleiros haviam prestado juramentos ao Reino, e as primeiras
batalhas foram bem-sucedidas e gloriosas. Porém, o Tesouro, inesperadamente,
sumiu, e o Reino não tinha condições de cumprir com sua parte nos juramentos
feitos aos Cavaleiros. Eles não apenas o abandonaram como se juntaram às
fileiras inimigas. As muralhas tidas como intransponíveis ruíram, o Palácio foi
saqueado e toda a glória do passado acabaria pisoteada pela cavalaria inimiga. Sob
ruínas e sem Tesouro, o Reino precisava se reerguer.
Encontrou
bravos e humildes guerreiros entre suas fileiras, e Cavaleiros desprovidos de
terras ou grandes conquistas que estavam dispostos a morrer para não apenas
terem seus nomes escritos nos anais da história de um Reino que já fora
glorioso, mas que, igualmente, sabiam da importância de reerguê-lo com urgência,
afinal, após a Grande Queda, logo seriam atacados por hordas adversárias que
poderiam levá-lo à extinção.
Foi
um período de lutas difíceis e renhidas, até que um terrível e ousado exército
atacou. Sob estratégias sujas, o inimigo tentou conceder um ocaso definitivo ao
Reino Outrora Glorioso, como era chamado nas terras vizinhas. Mesmo com um exército
muito inferior, mesmo que injustiçado por trapaças, ainda que sitiado por
forças assombrosas, ainda assim veio a vitória. Foi uma batalha longa, parecia
interminável, e, em dado momento, vencer se revelava uma mera ilusão. Foram
muitas perdas, até que um herói, com seu escudo poderoso, impediu que um golpe
fatal de espada fosse desferido. Outro, então, partiu para um inesperado
contra-ataque, rompeu as linhas inimigas e varou o coração do rei adversário,
levando todo o seu exército a aceitar a derrota.
A
glória da Grande Batalha da Ascensão foi incomparável, e a confiança, maior
ainda. A partir de então, o Reino voltou a ser respeitado, seu exército, a ser
reforçado por bravos cavaleiros. Seu povo tornou a acreditar nas histórias do
passado, a se orgulhar de seus feitos, a ter confiança para o que viria.
Foram
anos e anos de duras batalhas. O povo se mostrava frustrado por não conseguir
alcançar as conquistas do passado, mas também entendia que o Reino, depois da
Grande Queda, estava se reerguendo. Até que, um dia, aquele que fora o mais
bravo cavaleiro no momento mais glorioso da história do Reino voltou para
liderar. Ele não mais cavalgava e nem empunhava espada, mas seu comando e
inteligência ainda eram formidáveis. Liderou o Reino quando outra Queda se
aproximava e sua campanha foi formidável. Porém, como um lobo solitário, apesar
de seu amor pelo Reino, desgostava do Rei e se afastou. Retornou tempos depois
para outra campanha respeitável, mas, de novo, não permaneceu junto às fileiras
após as batalhas. Até que, um dia, mais experiente, ele entendeu que era o
momento de liderar até que a Glória D’Outrora retornasse. E ela veio.
Contando
com a amizade e a confiança do novo Rei, o Herói encontrou uma geração de
cavaleiros talentosos. Alguns se juntaram ao seu exército vindo de lugares
distantes, mas havia muitos que cresceram naquelas terras, que viveram e
sofreram a Queda, que estavam presentes na Grande Batalha da Ascensão e no período
de grandes lutas e de busca por recuperação de respeito, mas de poucas glórias,
que se sucedeu. Uma geração de bravos e habilidosos cavaleiros, e que, apesar
da ausência de glórias, sabia que as lágrimas do passado poderiam ter formado
um rio que conduziria para as maiores conquistas.
Foi
rápido. Sob a liderança do Herói e a bravura, técnica e humildade dos
Cavaleiros, a Glória D’Outrora enfim se converteu na Glória D’Agora. E foram
muitas. O respeito do Herói tornou-se tão elevado que ele ganhou uma estátua
nos pátios do Castelo Real, algo sequer reservado a algum Rei do passado. Apenas
ele, o Herói, recebera a estátua.
Com
o tempo, embora sempre respeitável, o exército passou a perder aqueles
Cavaleiros memoráveis, e outros vieram de lugares distantes para se juntarem às
fileiras organizadas pelo Herói. Também surgiu uma nova geração de Cavaleiros do
próprio Reino. Todavia, faltavam a todos não apenas o talento e a técnica dos
seus antecessores, mas, principalmente, a humildade. Os novos Cavaleiros do
Reino não haviam sofrido, não haviam navegado no Rio de Lágrimas de derrotas
que levavam à Vitória. Muitos sequer fizeram parte das Glórias D’Agora, mas
agiam como se tivessem.
Ao
mesmo tempo, o Rei passou a pensar que ele era a razão das Glórias D’Agora. Achava
que a liderança do Herói seria facilmente substituída, assim como o talento e a
humildade dos Cavaleiros. Embora ele gostasse do Herói, foi fraco diante de
seus Conselheiros após uma sucessão de batalhas perdidas, algumas de formas, de
fato, vergonhosas. A derradeira derrota aconteceu enquanto o Herói se
recuperava de alguns graves ferimentos. Sem sua liderança, seus homens
tombaram. Ainda assim, o Rei cedeu e dispensou aquele que se revelara o grande ícone
das mais recentes glórias do Reino.
Sem
o Herói, outros experientes guerreiros se ofereceram para liderar, mas todos
fracassaram. Alguns por serem fracos e limitados; outros, porém, apesar de
respeitáveis, perceberam que os Cavaleiros que se encontravam em suas fileiras
eram não só inferiores aos seus antecessores, como lhes faltava a humildade
criada por feridas do passado. Alguns cresceram em meio à bonança, e outros
juntaram-se ao Reino apenas em troca dos Tesouros que foram frutos da Glória D’Agora.
Havia aqueles talentosos, mas que achavam que o Reino seria apenas o seu retiro
para o fim de seus dias, deixando de lhe dar aquilo que tinham de melhor. Tudo
isso se juntou e, então, veio o inevitável.
Após
a derrota que culminou na dispensa do Herói, e uma vitória insignificante
contra vizinhos sem qualquer poder, as forças inimigas não apenas resistiam com
facilidade nas campanhas do Reino como contra-atacavam de forma avassaladora. Derrota
após derrota, as novas fronteiras erguidas pelas vitórias lideras pelo Herói
deixavam de existir. Os adversários avançavam.
O
Rei parecia ignorar o que ocorria e não tinha a humildade de perceber que não só
o Herói havia sido o grande responsável pela Glória D’Agora, mas que os
Cavaleiros que o Herói liderara eram diferentes, tanto no sofrimento de sua
história, quanto na sua bravura e, acima, de tudo, no seu talento. O Rei achava
que ele era o grande dedo, mas estava errado. Ele era comum. O diferente era o
Herói e, mais ainda, os comandados em suas grandes campanhas que devolveram ao
Reino o respeito do passado.
Então,
sem que percebesse, não mais existiam fronteiras e as forças inimigas se
encontravam diante de suas muralhas. Era tarde, e seria preciso que o tempo e
outros fatores que estavam além das forças do Reino contribuíssem para um
milagre. Ele, porém, não veio. As muralhas vieram abaixo, e o Reino foi
saqueado, destruído, humilhado. Sua bandeira foi pisoteada mais uma vez pelos
inimigos e não sobrou pedra sobre pedra.
O
Rei e alguns dos Cavaleiros fugiram, refugiaram-se. Mais uma vez, o Agora se
converteu em Outrora. Se, durante a bonança, a Grande Batalha da Ascensão acabou
convertida em uma lembrança, deixando de ser um ícone, agora seria necessário o
caminho inverso. O Rei precisaria reunir Cavaleiros de suas terras e de Fora
dispostos a darem a vida não por Tesouros, mas por amor à pátria onde nasceram
ou para a qual jurariam lealdade. Seria necessário que todos os dias da próxima
jornada fossem vistos como uma Grande Batalha da Ascensão e que essa Batalha
voltasse a ter o significado que sempre mereceu: uma conquista motivada por
humildade, amor, indignação diante da injustiça, sede por glórias e uso
virtuoso de talentos, do menor ao mais elevado deles.
Que
o Rei tenha sabedoria, e que seus Cavaleiros e Líderes saibam que as virtudes não
se transmitem pelo sangue, mas são ensinadas e repetidas, todos os dias, até a
queda do último homem. Caso contrário, as muralhas de qualquer reino, por mais
glorioso que seja ou tenha sido, ruirão, e o horror e o desespero, de tempo em
tempos, retornarão.
*Imagem: https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/gremio/noticia/2019/05/estatua-de-renato-passa-por-pintura-para-destacar-camisa-tricolor-e-simbolo-do-gremio-cjvxzkfhm06hu01ma1kyvba7c.html
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