Era dezembro de 1993. Com 8 anos, eu era um dos poucos da minha idade a manter firme a crença em Papai Noel. Alguns nunca acreditaram, vê se pode? Insistiam que ele não existia, gabavam-se de como teriam descoberto a “verdade”, debochavam de mim. Pobre deles.
A família estava reunida naquela noite quente de natal. Logo seria meia-noite. Foi quando percebi um vulto vermelho caminhando no jardim de casa e um incomporável “Ho ho ho! Feliz natal! Ho ho ho!”.
Era ele.
Alto, rechonchudo, cabelos e barba compridos e alvos como a neve. Ele suava, o que era previsível, afinal, sair do Polo Norte e dar um pulo no Brasil não é para qualquer um. Suas axilas fermentavam e encharcavam o casaco. Pobre Papai Noel!
Minha alegria foi extasiante. O bom velhinho lera a minha carta e atendera o meu pedido: a sua visita. Às suas costas, um enorme saco com muitos presentes. “Onde estão o Renan e o Henrique?”, perguntou Papai Noel. “Somos nós!”, respondemos, e corremos para abraçá-lo. Em seguida, ele sentou em uma poltrona e perguntou se eu e meu irmão nos comportamos naquele ano. Seu hálito lembrava alho, e é por isso que, quando o sinto de alguém, recordo-me do “bafo de Papai Noel”.
Ganhamos os presentes e o velhinho disse que deveríamos sempre obedecer os nossos pais. Muito ocupado, não tardou para se despedir. Levantou-se e dirigiu-se para a porta. Fui atrás, acompanhei-o até a rua e, enfim fiz o meu último pedido, aquele que provaria para todos que Papai Noel existia e que a sua magia era verdadeira:
“Papai Noel, posso dar uma volta com o senhor nas suas renas?”, perguntei. Ele suspirou e se voltou para a minha mãe e meu pai. Passou a mão na testa, largou um “ho ho ho” e respondeu: “Oh, Renan, me desculpe, mas as renas adoeceram e não pude vir com elas. Por isso peguei emprestado um Passat de um amigo meu”.
Ele fez um leve carinho na minha cabeça, e partiu para distribuir seus presentes para as outras crianças do mundo a bordo do Passat amarelo estacionado em frente à nossa casa. Entrou no carro e tentou fazê-lo ligar uma, duas, três vezes. Nada. Meu pai deu aquela forcinha, empurrando-o rua afora, até que o robusto automóvel de 1980 ressuscitou. A fumaça preta saindo de seu cano de descarga era mágica, assim como os estouros do motor semelhantes a fogos de artifício.
O velhinho nunca mais nos visitou e, desde então, o encontrei em alguns shoppings por aí. “Não tá fácil pra ninguém”, ele sempre se justifica. Com a pandemia, acho que ficou ainda pior, coitado. Perdeu algumas boquinhas, mesmo depois da abertura de alguns estabelecimentos. “Ah, se não fosse Gramado…”, ele disse, um dia desses.
Quem sabe ele aparece aqui em casa nesse ano? Minha filha adoraria. Espero que as renas estejam saudáveis e que a manutenção do Passat do seu amigo esteja em dia para emergências. Se não der para vir, tudo bem, mas, por favor, que, pelo menos, nos mande saúde, bom-senso e chaves para a liberdade. Estamos todos precisando.
*Imagem: https://www.svchs.com/blog/free-visits-and-pictures-with-santa-claus-2/
A pandemia vai Passat, Renan! E que venham velhos noéis para alegrar as crianças! Adorei a crônica! Abração!
ResponderExcluirMuito obrigado, Rubem!!
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