Dias atrás, um assalto a banco altamente planejado em Criciúma (SC) foi, paradoxalmente, exaltado pela mídia, que comparou a ação dos criminosos às dos personagens da série “La Casa de Papel”, promovendo-se um sentimento de admiração e absolvição. Coincidência?
Os jornalistas David Coimbra e Kelly Matos, no programa de entrevistas Timeline, veiculado pela Rádio Gaúcha, teceram comentários irônicos sobre a forma como se deu a ação criminosa na cidade catarinense. Em resumo, disseram que os bandidos teriam uma ética, uma “filosofia”, que respeitavam as vítimas e deram a entender que o alvo (um banco) seria mais justo do que um cidadão comum. Enquanto isso, Kelly ria dos comentários e não fazia qualquer contraponto. Pelo contrário: a todo momento, levantava a bola para o parceiro seguir em sua divagação infeliz, lembrando, seguidamente, da série “La Casa de Papel”. Matos, então, parafraseando alguém, disse que “crime não é assaltar um banco, mas fundar um banco”, e mudou a pauta. Foi uma ironia de ambos, uma brincadeira? Sim. Acontece que, por trás da brincadeira, há uma verdade: eles, assim como muitos, não percebem os valores violados: a liberdade, a propriedade e a vida.
Os criminosos de Criciúma foram “educados”? É mesmo? Por acaso há “educação” em, na posse de uma arma de guerra, restringir a liberdade de alguém e posicioná-lo como um escudo humano? Ou algum daqueles garis rendidos pensa que, se discordasse dos bandidos e tentasse fugir, nada lhe aconteceria? Logo, não há a mais básica liberdade, a de ir e vir, se ela é condicionada por alguém.
O valor da propriedade também foi ignorado. O dinheiro não é do banco, mas de seus clientes, cidadãos comuns que lá deixam suas economias das mais variadas formas. Mas a propriedade violada não foi apenas o dinheiro do banco, mas todos os danos causados no prédio da instituição que fora alvo do ataque, e nos carros e outras construções situadas nos arredores.
Por fim, a vida. Um policial, bravamente, tentou conter os bandidos, afinal, estava no exercício da sua função. Não teve chance e acabou baleado. Milagrosamente sobreviveu, mas ainda não está a salvo. Muitas outras mortes teriam acontecido se outros agentes tentassem agir, ou se os reféns se arriscassem a escapar. Esses bandidos (na verdade, nenhum) não são pessoas boas e, se têm alguma “ética” ou “filosofia”, tais são sombrias e estão abaixo da vantagem que buscam obter. A liberdade de suas vítimas, o patrimônio violado, as vidas a serem ceifadas, nada disso é relevante. Para eles, o que importa é conseguirem o que buscam e, se alguém não lhes obedecer, então as consequências serão inimagináveis.
O infeliz comentário de David Coimbra as reações dignas das hienas de "O Rei Leão" feitas por Kelly Matos revelam que os valores que vêm se estabelecendo entre nós são como aqueles promovidos pela série “La Casa de Papel”, de que é o “sistema” que está errado, que há uma via legítima e respeitosa por onde os bandidos poderiam circular sem serem censurados pela população, e que os verdadeiros heróis não são os defensores da lei, mas aqueles que a violam.
Valores de papel que são levados pelo vento, se desmancham com a água e se reduzem a cinzas ao serem incinerados por qualquer fagulha, e não valores verdadeiros e firmes como a rocha onde a casa de nossas vidas poderá ser firmada com segurança. Uma casa de tijolos e resistente aos sopros terríveis de qualquer lobo mau que se apresente em pele de cordeiro.
O que fazer com David e Kelly? A "guilhotina social", seu cancelamento sumário? Não, isso é errado, mas aí é tema para outra crônica...
* Imagem: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/12/01/assalto-em-criciuma-dia-de-terror-diz-refem.ghtml
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